Obsessão
Variedades

O AVARENTO DA RUA DO FORNO

O jornal Petite Presse, de 19 de novembro de 1868,reproduzia o fato seguinte, conforme o Droit:

“Numa miserável mansarda da rua do Four-Saint-Germain, vivia pobremente um indivíduo de certa idade, chamado P... Não recebia ninguém; ele mesmo preparava a comida, muito mais frugal que a de um anacoreta. Coberto de roupas sórdidas, dormia num catre ainda mais repugnante. De magreza extrema,parecia mirrado pelas privações de toda sorte e em geral era considerado como vítima da mais profunda miséria.

“Entretanto, um cheiro fétido tinha começado a espalhar-se na casa. Aumentou de intensidade e acabou por atingir um pequeno restaurante, situado no pavimento térreo, a ponto de os consumidores se queixarem.

“Procuraram, então, a causa desses miasmas e a acabaram descobrindo que provinham do alojamento ocupado pelo senhor P...

“Esta descoberta fez lembrar que esse homem há tempos não era visto e, temendo que lhe houvesse sucedido uma desgraça, apressaram-se em avisar o comissário de polícia do bairro.

“Imediatamente a autoridade judiciária foi ao local e mandou um serralheiro abrir a porta. Mas, assim que quiseram entrar no quarto, quase se sufocaram e tiveram de se retirar prontamente. Só depois de ter deixado por algum tempo entrar o ar do exterior é que puderam entrar e proceder às constatações com os devidos cuidados.

“Um triste espetáculo ofereceu-se ao comissário e ao médico que o acompanhava. Estendido sobre o leito, o corpo do Sr. P... encontrava-se em estado de completa putrefação; estava coberto de moscas-varejeiras e milhares de vermes roíam as carnes, que caíam aos pedaços.

“O estado de decomposição não permitiu reconhecer com exatidão a causa da morte, que ocorrera há bastante tempo, mas a ausência de qualquer traço de violência fez pensar que se deveu a uma causa natural, como uma apoplexia ou uma congestão cerebral. Aliás, encontraram num móvel uma soma de cerca de 35.000 francos, tanto em numerário quanto em ações, obrigações industriais e valores diversos.

“Depois das formalidades ordinárias, apressaram-se em retirar os restos humanos e desinfetar o local. O dinheiro e os valores foram selados e recolhidos.”

Tendo sido evocado na Sociedade de Paris, esse homem deu a seguinte comunicação:

(Sociedade de Paris, 20 de novembro de 1868 – Médium: Sr. Rul.)

Perguntais por que me deixei morrer de fome, quando possuía um tesouro? De fato, 35.000 francos são uma fortuna! Ai! senhores, sois muito instruídos sobre o que se passa em torno de vós, para não compreender que eu sofria provações, e meu fim diz bastante que fali. Com efeito, numa existência anterior eu tinha lutado com energia contra a pobreza, que não havia dominado senão por prodígios de atividade, de energia e de perseverança.
Vinte vezes estive a ponto de me ver privado do fruto de meu rude labor. Por isso, não fui sensível com os pobres, que enxotava quando se apresentavam em minha casa. Reservava tudo quanto ganhava para minha família, minha mulher e meus filhos.

Escolhi para provação, nesta nova existência, ser sóbrio,moderado nos gostos e partilhar minha fortuna com os pobres, meus irmãos deserdados.

Mantive a palavra? Vedes o contrário; porque fui muito sóbrio, temperante, mais que temperante. Mas não fui caridoso.

Meu fim desventurado foi apenas o começo de meus sofrimentos, mais duros, mais penosos neste momento, quando vejo com os olhos do Espírito. Assim, não teria tido a coragem de me apresentar a vós, se não me tivessem assegurado que sois bons, compassivos com a desgraça; venho pedir que oreis por mim. Aliviai meus sofrimentos, vós que conheceis os meios de tornar os sofrimentos menos pungentes; orai por vosso irmão que sofre e que deseja voltar a sofrer muito mais ainda!

Piedade, meu Deus! piedade para o ser fraco que faliu. E vós, senhores, compaixão por vosso irmão, que se recomenda às vossas preces.

O avarento da Rua do Forno

SUICÍDIO POR OBSESSÃO

Lê-se no Droit:

“O Sr. Jean-Baptiste Sadoux, fabricante de canoas em Joinville-le-Pont, avistou ontem um jovem que, depois de ter vagueado por algum tempo sobre a ponte, subiu no parapeito e se jogou no Marne. Imediatamente foi em seu socorro e, ao cabo de sete minutos, retirou-o. Mas a asfixia já era completa, tendo sido infrutíferas todas as tentativas feitas para reanimar aquele infeliz.

“Uma carta encontrada com ele revelou tratar-se do Sr.Paul D..., de vinte e dois anos, residente à rua Sedaine, em Paris. A carta, dirigida pelo suicida ao seu pai, era extremamente tocante. Pedia-lhe perdão por o abandonar e dizia que havia dois anos era dominado por uma idéia terrível, por uma irresistível vontade de se destruir. Acrescentava que lhe parecia ouvir fora da vida uma voz que o chamava sem tréguas e, malgrado todos os seus esforços, não podia impedir-se de ir para ela. Encontraram, também, no bolso do paletó, uma corda nova, na qual tinha sido feito um nó corredio. Depois do exame médico-legal, o corpo foi entregue à família.”

A obsessão aqui está bem evidente e, o que não o está menos, é que o Espiritismo lhe é completamente estranho, nova prova de que esse mal não é inerente à crença. Mas, se o Espiritismo nada tem a ver com o caso, só ele pode dar a sua explicação. Eis a instrução dada a respeito por um dos nossos Espíritos familiares, e da qual ressalta que, malgrado o
arrastamento a que o jovem cedeu para a sua infelicidade, não sucumbiu à fatalidade. Tinha o seu livre-arbítrio e, com mais vontade, poderia ter resistido. Se tivesse sido espírita, teria compreendido que a voz que o solicitava não podia ser senão a de um Espírito mau e as conseqüências terríveis de um instante de fraqueza.

(Paris – Grupo Desliens, 20 de dezembro de 1868 – Médium: Sr. Nivard)

A voz dizia: Vem! vem! Mas essa voz do tentador teria sido ineficaz, se a ação direta do Espírito não se tivesse feito sentir. O pobre suicida era chamado e era impelido. Por quê? Seu passado era a causa da situação dolorosa em que se achava; apegava-se à vida e temia a morte. Mas, pergunto, nesse apelo incessante que ouvia, encontrou força? Não; hauriu a fraqueza que o perdeu. Superou os temores, porque, enfim, esperava encontrar do outro lado da vida o repouso que o lado de cá lhe negava. Foi enganado: o repouso não veio. As trevas o cercam, sua consciência lhe censura o ato de fraqueza e o Espírito que o arrastou escarnece ao seu redor e o criva de motejos constantes. O cego não o vê, mas escuta a voz que lhe repete: Vem! vem! E depois zomba de suas torturas.

A causa deste caso de obsessão está no passado, como acabo de dizer; o próprio obsessor foi impelido ao suicídio por esse que acaba de fazer cair no abismo. Era sua mulher na existência precedente e tinha sofrido consideravelmente com a devassidão e as brutalidades de seu marido. Muito fraca para aceitar com resignação e coragem a situação que lhe era dada, buscou na morte um refúgio contra seus males. Vingou-se depois, e sabeis como. Entretanto, o ato desse infeliz não era fatal; tinha aceito os riscos da tentação; esta era necessária ao seu adiantamento, porque só ela podia fazer desaparecer a mancha que havia sujado sua existência anterior. Aceitara seus riscos com a esperança de ser mais forte e se
havia enganado: sucumbiu. Recomeçará mais tarde; resistirá? Isto dependerá dele.

Rogai a Deus por ele, a fim de que lhe dê a calma e a resignação de que tanto necessita, a coragem e a força para não falir nas provas que tiver de suportar mais tarde.
Louis Nivard

R.E. , janeiro de 1869, p. 47