Transfiguração
Os Tempos são Chegados20
Os tempos marcados por Deus são chegados, dizemnos de todos os lados, nos quais grandes acontecimentos vão realizar-se para a regeneração da Humanidade.

Em que sentido devem ser entendidas essas palavras proféticas? Para os incrédulos não têm a menor importância. Aos seus olhos não passam da expressão de uma crença pueril sem fundamento. Para a maioria dos crentes elas têm algo de místico e de sobrenatural, que lhes parece ser o precursor da perturbação das leis da Natureza. Estas duas interpretações são igualmente errôneas: a primeira, por implicar na negação da Providência e porque os fatos realizados provam a veracidade dessas palavras; a segunda, por não anunciar a perturbação das leis da Natureza, mas a sua realização. Procuremos-lhes, pois, o sentido mais racional.

Tudo é harmonia na obra da Criação, tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores, nem nas maiores coisas. Em primeiro lugar, devemos afastar toda idéia de capricho inconciliável com a sabedoria divina; em segundo lugar, se 20 Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 527. nossa época está marcada pela realização de certas coisas, é que elas têm sua razão de ser na marcha geral do conjunto.

Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Progride fisicamente pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois progressos se seguem e marcham paralelamente, porque a perfeição da habitação está em relação com o habitante. Fisicamente, o globo sofreu transformações, constatadas pela Ciência, e que sucessivamente o tornaram habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados; moralmente a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que se opera a melhoria do globo, sob o império das forças materiais, os homens a isso concorrem pelos esforços de sua inteligência: saneiam regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e a terra mais produtiva.

Esse duplo progresso se realiza de duas maneiras: uma lenta, gradual e insensível; outra por mudanças mais bruscas, em cada uma das quais se opera um movimento ascensional mais rápido, que marca, por caracteres distintos, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados nos detalhes ao livre-arbítrio dos homens, são de certo modo fatais em seu conjunto, porque estão submetidos a leis, como os que se operam na germinação, no crescimento e na maturação das plantas, considerando-se que o objetivo da Humanidade é o progresso, não obstante a marcha retardatária de algumas individualidades. Eis por que o movimento progressivo algumas vezes é parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, outras vezes geral. O progresso da Humanidade se efetua, pois, em virtude de uma lei. Ora, como todas as leis da Natureza são a obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo quanto seja efeito dessas leis é o resultado da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Então, quando a Humanidade está madura para transpor um degrau, pode-se dizer que os tempos marcados por Deus são chegados, como se pode dizer também que em tal estação eles chegaram para a maturação dos frutos e para a colheita.

Pelo fato de o movimento progressivo da Humanidade ser inevitável, porque está na Natureza, não se segue que Deus a isso seja indiferente, e que, depois de ter estabelecido leis, tenha entrado em inação, deixando as coisas ir sozinhas. Suas leis são eternas e imutáveis, sem dúvida, mas porque sua própria vontade é eterna e constante e seu pensamento anima todas as coisas sem interrupção; seu pensamento, que tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém tudo na harmonia; se esse pensamento deixasse de agir um só instante, o Universo seria como um relógio sem o pêndulo regulador. Deus vela incessantemente pela execução de suas leis, e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros encarregados dos detalhes, conforme as atribuições relativas ao seu grau de adiantamento.

O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável, conduzido por um número não menos incomensurável de inteligências, um imenso governo em que cada ser inteligente tem sua parte da ação, sob o olhar do soberano Senhor, cuja vontade única mantém a unidade por toda parte. Sob o império desse vasto poder regulador, tudo se move, tudo funciona numa ordem perfeita; o que nos parece perturbações são movimentos parciais e isolados, que só nos parecem irregulares porque nossa visão é circunscrita. Se pudéssemos abarcar o seu conjunto, veríamos que essas são apenas aparentes e que se harmonizam no todo. A previsão dos movimentos progressivos da Humanidade nada tem de surpreendente para os seres desmaterializados, que vêem o fim para onde tendem todas as coisas, alguns dos quais possuem o pensamento direto de Deus, e que julgam, pelos movimentos parciais, o tempo no qual poderá realizar-se um movimento geral, como se julga previamente o tempo necessário para uma árvore dar frutos, como os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico pelo tempo requerido por um astro para fazer a sua revolução.

Mas, certamente, nem todos os que anunciam tais fenômenos, os autores de almanaques que predizem os eclipses e as marés, por exemplo, estão em condições de fazer os cálculos necessários. Não passam de ecos. Assim, há Espíritos secundários, cuja vista é limitada, e que apenas repetem o que aos Espíritos superiores aprouve lhes revelar.

A Humanidade realizou até agora incontestáveis progressos. Por sua inteligência, os homens chegaram a resultados jamais atingidos em relação às ciências, às artes e ao bem-estar material; resta-lhes ainda uma imensidão a realizar: é fazer reinar entre si a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral. Não o podiam com suas crenças, nem com suas instituições antiquadas, resquícios de uma outra idade, boas numa certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que comportavam, seriam hoje um ponto de parada. Tal uma criança estimulada por móbiles, impotentes quando ela chega à idade madura. Já não é apenas o desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a elevação do sentimento e, para tanto, é preciso destruir tudo quanto neles pudesse excitar o egoísmo e o orgulho.

Tal o período em que agora vão entrar, e que marcará uma das fases principais da Humanidade. A fase que neste momento se elabora é o complemento necessário do estado precedente, como a idade viril é o complemento da juventude; ela podia, pois, ser prevista e predita por antecipação, e é por isto que se diz que os tempos marcados por Deus são chegados.

Neste tempo não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a um país, a um povo, a uma raça; é um movimento universal, que se opera no sentido do progresso moral. Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer e os homens que a ela são mais opostos nela trabalham mau grado seu; a geração
futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, achar-se-á animada de idéias e sentimentos completamente diversos da geração presente, que desaparece a passos de gigante. O velho mundo estará morto e viverá na História, como hoje os tempos medievais, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.

Aliás, cada um sabe que a ordem de coisas atual deixa a desejar. Depois de haver, de certo modo, esgotado o bem-estar material, que é produto da inteligência, chega-se a compreender que o complemento desse bem-estar não pode estar senão no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem, contudo, poder ainda o definir claramente: é o efeito do trabalho íntimo que se opera para a regeneração; tem-se desejos, aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.

Mas uma mudança tão radical quanto a que se elabora não pode realizar-se sem comoção; há luta inevitável entre as idéias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso e de revés. Entretanto, como as idéias novas são as do progresso e o progresso está nas leis da Natureza, estas não deixam de triunfar sobre as idéias retrógradas. Desse conflito nascerão, forçosamente, perturbações temporárias, até que o terreno esteja livre dos obstáculos que se opõem à construção do novo edifício social. É, pois, da luta das idéias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não de cataclismos, ou catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais eram conseqüência do estado de formação da Terra; hoje não são mais as entranhas do globo que se agitam, são as da Humanidade.

A Humanidade é um ser coletivo, no qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, mas com esta diferença: umas se realizam de ano a ano, e as outras de século em século. Quem as seguir em suas evoluções através dos tempos verá a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia particular.

Ao lado dos movimentos parciais há um movimento geral, que dá impulso à Humanidade inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de adiantamento. Tal seria uma família composta de vários filhos, dos quais o mais jovem está no berço e o mais velho com dez anos, por exemplo. Em dez anos, o mais velho terá vinte e será um homem; o mais jovem terá dez e, embora mais adiantado, será ainda uma criança; mas, por sua vez, se tornará homem. Dá-se o mesmo com as diversas frações da Humanidade; os mais atrasados avançam, mas não atingem de um salto o nível dos mais adiantados.

Tornando-se adulta, a Humanidade tem novas necessidades, aspirações mais largas, mais elevadas; compreende o vazio das idéias com que foi embalada, a insuficiência das instituições para a sua felicidade; não mais encontra no estado de coisas as satisfações legítimas a que se sente chamada. Eis por que sacode as fraldas e se lança, impelida por uma força irresistível, para as margens desconhecidas, à descoberta de novos horizontes menos limitados. E é no momento em que se encontra muito confinada em sua esfera material, onde a vida intelectual transborda, onde se expande o sentimento da espiritualidade, que homens, pretensos filósofos, esperam encher o vazio pelas doutrinas do niilismo e do materialismo! Estranha aberração! Esses mesmos homens que pretendem empurrá-la para frente, esforçamse por circunscrevê-la no estreito círculo da matéria, de onde aspira a sair; fecham-lhe o aspecto da vida infinita, e lhe dizem,
mostrando-lhe o túmulo: Nec plus ultra!

Como dissemos, a marcha progressiva da Humanidade se opera de duas maneiras: uma gradual, lenta, insensível, se se consideram as épocas mais próximas, que se traduz por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos, e não se percebe senão com o tempo, como as mudanças que as correntes de água trazem à superfície do globo; a outra, por um movimento relativamente brusco, rápido, semelhante ao de uma torrente rompendo seus diques, que lhe faz transpor em alguns anos o espaço que teria levado séculos a percorrer. É então um cataclismo moral que, em alguns instantes, devora as instituições do passado, e ao qual sucede uma nova ordem de coisas, que se assenta pouco a pouco, à medida que a calma se restabelece e se torna definitiva.

Para quem vive bastante para abarcar os dois aspectos da nova fase, parece que um mundo novo saiu das ruínas do antigo; o caráter, os costumes, os usos, tudo é mudado. É que, com efeito, homens novos, ou, melhor, regenerados, surgiram. As idéias varridas pela geração que se extingue deram lugar a idéias novas, na geração que se ergue.

Foi a um desses períodos de transformação ou, se quiserem, de crescimento moral, que chegou a Humanidade. Da adolescência passa à idade viril; o passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; não pode mais ser conduzida pelos mesmos meios; não mais se permite ilusões e sortilégios: sua razão amadurecida exige alimentos mais substanciais. O presente é por demais efêmero; sente que seu destino é mais vasto e que a vida corporal é muito restrita para a encerrar toda inteira. Eis por que ela mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de aí descobrir o mistério de sua existência e haurir uma segurança consoladora.

Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas conseqüências e não o tenha circunscrito à produção de alguns fenômenos, compreende que ele abre à Humanidade uma nova via e lhe desdobra os horizontes do infinito. Iniciando-os nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe seu verdadeiro papel na Criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual quanto no  estado corporal. O homem não marcha mais às cegas: sabe de onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe mostra em sua realidade, isento dos preconceitos da ignorância e da superstição; já não é uma vaga esperança: é uma verdade palpável, tão certa para ele quanto a sucessão dos dias e das noites. Sabe que seu ser não está limitado a alguns instantes de uma existência, cuja duração está submetida ao capricho do acaso; que a vida espiritual não é interrompida pela morte; que já viveu, que reviverá ainda e que de tudo que adquire em perfeição pelo trabalho, nada fica perdido; encontra em suas existências anteriores a razão do que é hoje, e do que hoje a si faz, pode concluir o que será um dia.

Com o pensamento de que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização são limitadas à vida presente, que nada se foi e nada se será, que interessa ao homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam mais bem governados, mais ditosos, mais esclarecidos, melhores uns para os outros? Uma vez que disso não tira nenhum proveito, para ele esse progresso não está perdido? De que lhe serve trabalhar para os que vierem depois, se jamais os deverá conhecer, se são seres novos que, eles também, pouco depois, entrarão no nada? Sob o império da negação do futuro individual, tudo se reduz, forçosamente, às mesquinhas proporções do momento e da personalidade.

Mas, ao contrário, que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade de seu ser espiritual! que força, que coragem, não haure ele contra as vicissitudes da vida material! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador que esta lei, segundo a qual a vida espiritual e a vida corporal não
passam de dois modos de existência, que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo e mais consolador que a idéia dos mesmos seres progredindo sem cessar, primeiro através das gerações de um mesmo mundo e, depois, de mundo em mundo, até a perfeição, sem solução de continuidade! Assim, todas as ações têm um objetivo, porquanto, trabalhando para todos, trabalha-se para si, e reciprocamente, de tal sorte que o progresso individual e o progresso geral jamais são estéreis; aproveitam às gerações e às individualidades futuras, que outra coisa não são que as gerações e as individualidades passadas, chegadas a um mais alto grau de adiantamento.

A vida espiritual é a vida normal e eterna do Espírito e a encarnação é apenas uma forma temporária de sua existência. Salvo a vestimenta exterior, há, pois, identidade entre os encarnados e os desencarnados; são as mesmas individualidades sob dois aspectos diversos, ora pertencendo ao mundo visível, ora
ao mundo invisível, encontrando-se ora num, ora noutro, concorrendo, num e noutro, para o mesmo objetivo, por meios apropriados à sua situação.

Desta lei decorre a da perpetuidade das relações entre os seres; a morte não os separa, não põe termo às suas relações simpáticas e nem aos seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um, e de cada um para todos; daí, também, a fraternidade. Os homens só viverão felizes na Terra quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus corações e em seus costumes, porque, então, a eles sujeitarão suas leis e suas instituições. Será este um dos principais resultados da transformação que se opera.

Mas, como conciliar os deveres da solidariedade e da fraternidade com a crença de que a morte torna os homens para sempre estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das relações que ligam todos os seres, o Espiritismo funda esse duplo princípio sobre as próprias leis da Natureza; disto faz não só um dever, mas uma necessidade. Pela lei da pluralidade das existências o homem se liga ao que está feito e ao que será feito, aos homens do passado e aos do futuro; não mais poderá dizer que nada tem de comum com os que morrem, pois uns e outros se encontram incessantemente, neste e no outro mundo, para subirem juntos a escada do progresso e se prestarem mútuo apoio. A fraternidade não está mais circunscrita a alguns indivíduos, que o acaso reúne durante uma vida efêmera; é perpétua como a vida do Espírito, universal como a Humanidade, que constitui uma grande família, cujos membros, em sua totalidade, são solidários uns com os outros, seja qual for a época em que tenham vivido.

Tais são as idéias que ressaltam do Espiritismo, e que ele suscitará entre todos os homens, quando estiver universalmente espalhado, compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo a fraternidade, sinônimo da caridade pregada pelo Cristo, não é mais uma palavra vã; tem a sua razão de ser. Do sentimento da fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres sociais, de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça. Destes dois sentimentos bem compreendidos sairão, forçosamente, as mais proveitosas instituições para o bem-estar de todos.

A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas não haverá fraternidade real, sólida e efetiva se não for apoiada em base inabalável; esta base é a fé; não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e se atiram pedras, porque, anatematizando-se, entretêm o antagonismo; mas a fé nos princípios fundamentais que todo o mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convictos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não dele, olhar-se-ão como filhos de um mesmo pai e se darão as mãos. É esta fé que dá o Espiritismo e que, de agora em diante, será o pivô sobre o qual se moverá o gênero humano, sejam quais forem sua maneira de adorar e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas das quais não deve se ocupar. Somente desta fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres; sem ela, o direito é o que é dado pela força; o dever, um código humano imposto pela violência. Sem ela que é o homem? um pouco de matéria que se dissolve, um ser efêmero que apenas passa; o próprio gênio não é
senão uma centelha que brilha um instante, para extinguir-se para sempre; por certo não há nisto muito para o erguer aos seus próprios olhos. Com tal pensamento, onde estão, realmente, os direitos e os deveres? qual o objetivo do progresso? Somente esta fé faz o homem sentir sua dignidade pela perpetuidade e pela progressão de seu ser, não num futuro mesquinho e circunscrito à personalidade, mas grandioso e esplêndido; seu pensamento o eleva acima da Terra; sente-se crescer, pensando que tem seu papel no Universo, e que esse Universo é o seu domínio, que um dia poderá percorrer, e que a morte não fará dele uma nulidade, ou um ser inútil a si mesmo e aos outros.

O progresso intelectual realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas, apenas ele, é impotente para a regenerar. Enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em benefício de suas paixões e de seus interesses pessoais, razão por que os aplica no aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e de se destruírem mutuamente. Só o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens na Terra, pondo um freio nas más paixões; somente ele pode fazer reinarem a concórdia, a paz, a fraternidade. É ele que derrubará a barreira dos povos, que fará caírem os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas, ensinando
os homens a se olharem como irmãos, chamados a se ajudarem mutuamente, e não a viverem uns à custa dos outros. É ainda o progresso moral, aqui secundado pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens numa mesma crença, estabelecida sobre verdades eternas, não sujeitas à discussão e, por isto mesmo, por todos aceitas. A unidade de crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, em todos os tempos quebrada pelos antagonismos religiosos, que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo inimigos que é preciso fugir, combater, exterminar, em vez de irmãos que devem ser amados.

Tal estado de coisas supõe uma mudança radical no sentimento das massas, um progresso geral que não poderia realizar-se senão saindo do círculo das idéias estreitas e terra-aterra, que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade nessa via; mas, ainda muito jovem, a Humanidade ficou surda, e seus ensinamentos foram como a boa semente caída sobre a pedra. Hoje ela está madura para lançar suas vistas mais alto do que o fez, a fim de assimilar idéias mais largas e compreender o que não havia compreendido. A geração que desaparece levará consigo os seus  preconceitos e os seus erros; a geração que surge, temperada numa fonte mais depurada, imbuída de idéias mais justas, imprimirá ao mundo o movimento ascensional, no sentido do progresso moral, que deve marcar a nova fase da Humanidade. Esta fase já se revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, pelas idéias grandes e generosas que vêm à tona e que começam a encontrar eco. É assim que se vê fundar-se uma porção de instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e pela iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais diariamente se impregnam de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se enfraquecem, os povos começam a olhar-se como membros de uma grande família; pela uniformidade e facilidade dos meios de transação, suprimem as barreiras que os dividem de todas as partes do mundo, reúnem-se em comícios universais para os torneios pacíficos da inteligência. Mas faltam a essas reformas uma base para se desenvolverem, para se completarem e se consolidarem, uma predisposição moral mais geral para frutificarem e se fazerem aceitas pelas massas. Isto não é menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que se realizará em mais vasta escala, à medida que o terreno se tornar mais propício.

Um sinal não menos característico do período em que entramos, é a reação evidente que se opera no sentido das idéias espiritualistas, uma repulsa instintiva contra as idéias materialistas, cujos representantes se tornam menos numerosos ou menos absolutos. O espírito de incredulidade que se havia apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas, e as tinha feito repelir, com a forma, o próprio fundo de toda crença, parece ter sido um sono, ao sair do qual se experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde se fez o vazio procura-se algo, um ponto de apoio, uma esperança.

Neste grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo, inventado pela crítica zombeteira, mas o Espiritismo filosófico, tal qual o compreende quem quer que se dê ao trabalho de procurar a amêndoa dentro da casca. Pelas provas que ele traz das verdades fundamentais, preenche o vazio que a incredulidade faz nas idéias e nas crenças; pela certeza que dá de um futuro conforme à justiça de Deus e que a mais severa razão pode admitir, ele tempera as amarguras da vida e previne os funestos efeitos do desespero. Tornando conhecidas novas leis da Natureza, o Espiritismo dá a chave de fenômenos incompreendidos e problemas até agora insolúveis, e mata, ao mesmo tempo, a incredulidade e a superstição. Para ele não há sobrenatural nem maravilhoso; tudo se realiza no mundo em virtude de leis imutáveis. Longe de substituir um exclusivismo por outro, arvora-se como campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para todos os homens de bem, e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de chegarem, por seus esforços, pela expiação e pela reparação, à perfeição, pois só ela conduz à suprema felicidade. Ao invés de desencorajar o fraco, encoraja-o, mostrando-lhe o fim que pode atingir.

Não diz: Fora do Espiritismo não há salvação, mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação, princípio de união, de tolerância, que congraçará os homens num sentimento comum de fraternidade, em vez de os dividir em seitas inimigas. Por este outro princípio: Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade, destrói o império da fé cega, que aniquila a razão, da obediência passiva, que embrutece; emancipa a inteligência do homem e levanta o seu moral.

Conseqüente consigo mesmo, não se impõe; diz o que é, o que quer, o que dá e espera que a ele venham livremente, voluntariamente; quer ser aceito pela razão, e não pela força. Respeita todas as crenças sinceras e não combate senão a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia, que são as chagas da sociedade e os mais sérios obstáculos ao progresso moral; mas não lança o anátema a ninguém, nem mesmo aos seus inimigos, porque está convencido de que o caminho do bem está aberto aos mais imperfeitos e que, mais cedo ou mais tarde, nele entrarão.

Se imaginarmos a maioria dos homens imbuídos desses sentimentos, facilmente poderemos figurar as modificações que trarão às relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para todos, tolerância para todas as crenças, tal será sua divisa. É o fim para o qual, evidentemente, tende a Humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que se dê muita conta dos meios de as realizar; ela ensaia, hesita, mas é detida pelas resistências ativas ou pela força da inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São essas resistências que devem ser vencidas e isto será a obra da nova geração. Se seguirmos o curso atual das coisas, reconheceremos que tudo parece predestinado a lhe abrir a estrada; ela terá por si o duplo poder do número e das idéias, além da experiência do passado.

Assim, a nova geração marchará para a realização de todas as idéias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que tiver chegado. O Espiritismo, marchando para o mesmo objetivo e realizando seus planos, eles se encontrarão no mesmo terreno, não como concorrentes, mas como auxiliares, prestando-se mútuo apoio. Os homens de progresso encontrarão nas idéias espíritas uma poderosa alavanca e o Espiritismo encontrará nos homens novos espíritos inteiramente dispostos a acolhê-lo. Nesse estado de coisas, que poderão fazer os que quisessem opor obstáculos?

Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a maturidade da Humanidade que faz desta renovação uma necessidade. Por seu poder moralizador, por suas tendências progressivas, pela amplidão de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é, mais que qualquer outra doutrina, apto a secundar o movimento regenerador, razão por que é seu contemporâneo. Veio no momento em que podia ser útil, porque também para ele os tempos são chegados; mais cedo, teria encontrado obstáculos intransponíveis; inevitavelmente teria sucumbido, porque os homens, satisfeitos com o que tinham, ainda não sentiam a necessidade do que ele traz. Hoje, nascido com o movimento das idéias que fermentam, encontra o terreno preparado para recebê-lo. Cansados da dúvida e da incerteza, apavorados com o abismo que se abre diante deles, os espíritos o acolhem como uma tábua de salvação e uma suprema consolação.

Dizendo que a Humanidade está madura para a regeneração, isto não quer dizer que todos os indivíduos o sejam no mesmo grau, mas muitos têm, por intuição, o germe das idéias novas, que as circunstâncias farão eclodir; então eles se mostrarão mais adiantados do que se pensava, e seguirão com ardor o impulso da maioria.

Há, entretanto, os que são refratários por natureza, mesmo entre os mais inteligentes e que, certamente, jamais se ligarão, pelo menos nesta existência, uns de boa-fé, por convicção, outros por interesse. Aqueles cujos interesses materiais estão ligados ao estado presente das coisas, e que não são bastante adiantados para dele fazer abnegação, que o bem geral toca menos que o seu bem pessoal, não podem ver sem apreensão o menor movimento reformador; para eles a verdade é uma questão secundária ou, melhor dito, a verdade está toda inteira no que não lhes causa nenhuma perturbação; aos seus olhos, todas as idéias progressivas são subversivas, razão por que lhes votam um ódio implacável e lhes fazem uma guerra encarniçada. Muito inteligentes para não ver no Espiritismo um auxiliar dessas idéias e os elementos da transformação, que temem porque não se sentem à sua altura, esforçam-se para o abater; se o julgassem sem valor e sem alcance, com ele não se preocupariam. Aliás já o dissemos: “Quanto maior é uma idéia, mais adversários encontra, e pode medir-se a sua importância pela violência dos ataques de que ela é objeto.”

O número dos retardatários sem dúvida ainda é grande, mas que podem contra a onda que sobe, senão lançar-lhe algumas pedras? Essa onda é a geração que surge, enquanto eles desaparecem com a geração que vai a largos passos. Até lá defenderão o terreno palmo a palmo. Há, pois, uma luta inevitável, mas desigual, porque é a do passado decrépito, que cai em farrapos, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a vontade de Deus, porque os tempos por ele marcados são chegados.

Nota – As reflexões que precedem são o desenvolvimento das instruções dadas pelos Espíritos sobre o mesmo assunto, num grande número de comunicações, seja a nós, seja a outras pessoas. A que publicamos a seguir é o resumo de várias conversas que tivemos, através de dois dos nossos médiuns habituais, em estado de sonambulismo extático, e que, ao despertarem, não conservam nenhuma lembrança. Coordenamos metodicamente as idéias, a fim de lhes dar mais seqüência, suprimindo todos os detalhes e acessórios supérfluos. Os pensamentos foram reproduzidos rigorosamente, e as palavras também são textuais, tanto quanto foi possível recolhê-las pela audição.

INSTRUÇÃO DOS ESPÍRITOS SOBRE A REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE21

(Paris, abril de 1866 – Médium: Srs. M. e T., em sonambulismo)

Os acontecimentos se precipitam com rapidez, de modo que não vos dizemos mais, como outrora: “Os tempos estão próximos”; agora dizemos: “Os tempos são chegados.”
 
Por estas palavras não entendais um novo dilúvio, nem um cataclismo, nem uma perturbação geral. Convulsões parciais do globo ocorreram em todas as épocas e ainda se produzem, porque inerentes à sua constituição, mas são sinais dos tempos. Entretanto, tudo quanto está predito no Evangelho deve realizar-se e se cumpre neste momento, como reconhecereis mais tarde. Mas não tomeis os sinais anunciados senão como figuras, dos quais é preciso captar o espírito, e não a letra. Todas as Escrituras encerram grandes verdades sob o véu da alegoria, e é porque os exegetas se apegaram à letra que se extraviaram. Faltou-lhes a chave para a compreensão de seu verdadeiro sentido. Esta chave está nas descobertas da Ciência e nas leis do mundo invisível, que o Espiritismo vos vem revelar. Doravante, com o auxílio desses novos conhecimentos, o que era obscuro torna-se claro e inteligível.

Tudo segue a ordem natural das coisas e as leis imutáveis de Deus não serão alteradas. Assim, não vereis milagres, nem prodígios, nem nada de sobrenatural, no sentido vulgar ligado a estas palavras.

21 Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 527.

Não olheis o céu para aí buscar sinais precursores, pois não os vereis e os que vo-los anunciam vos enganarão; mas olhai em torno de vós, entre os homens; é aí que os encontrareis.

Não sentis como um vento que sopra na Terra e agita todos os Espíritos? O mundo está à espera e como tomado por um vago pressentimento à aproximação da tempestade.

Contudo, não acrediteis no fim do mundo material; a Terra progrediu desde a sua transformação; deve progredir ainda, e não ser destruída. Mas a Humanidade chegou a um de seus períodos de transformação e a Terra vai elevar-se na hierarquia dos mundos.

Não é, pois, o fim do mundo material que se prepara, mas o fim do mundo moral; é o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do egoísmo, do orgulho e do fanatismo que se desmorona; cada dia leva consigo os seus destroços. Tudo acabará para ele com a geração que se vai, e a geração nova erguerá o novo edifício que as gerações seguintes consolidarão e completarão.

De mundo de expiação, a Terra está fadada a tornar-se um dia um mundo feliz, e nela habitar será uma recompensa, ao invés de uma punição. O reinado do bem aí deve suceder o do mal. Para que os homens sejam felizes na Terra, é necessário que esta só seja povoada de Espíritos bons, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o bem. Sendo chegado esse tempo, uma grande emigração se realiza neste momento entre os que a habitam; os que fazem o mal pelo mal e não são tocados pelo sentimento do bem por não serem dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque aí trariam novamente a perturbação e a confusão e seriam um obstáculo ao progresso. Irão expiar seu endurecimento nos mundos inferiores, para onde levarão os conhecimentos adquiridos e terão por missão fazê-los progredir. Serão substituídos na Terra por Espíritos melhores, que farão reinar entre eles a justiça, a paz e a fraternidade.

Já dissemos que a Terra não deve ser transformada por um cataclismo, que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá gradualmente, e a nova a sucederá, sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas. Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito, com uma única diferença, mas esta diferença é capital: uma parte dos Espíritos que aí se encarnavam não mais encarnarão. Numa criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e devotado ao mal que tivesse encarnado, será um Espírito mais adiantado e devotado ao bem. Trata-se, pois, muito menos de uma nova geração corporal que de uma nova geração de Espíritos. Assim, os que esperavam ver a transformação operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos ficarão decepcionados.

A época atual é de transição; os elementos das duas gerações se confundem. Colocados em ponto intermediário, assistis à partida de uma e à chegada da outra, e cada um já se assinala no mundo pelos caracteres que lhes são próprios.

As duas gerações que sucedem uma à outra têm idéias e pontos de vista opostos. Pela natureza das disposições morais, mas, sobretudo, das disposições intuitivas e inatas, é fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.

Devendo fundar a era do progresso moral, a nova geração se distingue por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, aliadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é sinal indubitável de certo grau de progresso anterior. Não será composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, tendo já progredido, estão predispostos a assimilar todas as idéias progressivas, e aptos a secundar o movimento regenerador.

Ao contrário, o que distingue os Espíritos atrasados é, primeiro, a revolta contra Deus pela negação da Providência e de todo poder superior à Humanidade; depois, a propensão instintiva às paixões degradantes, aos sentimentos antifraternos do egoísmo, do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim, a predominância do apego a tudo o que é material.

Tais os vícios de que a Terra deve ser expurgada pelo afastamento dos que se recusam a emendar-se, porque são incompatíveis com o reinado da fraternidade e porque os homens de bem sempre sofrerão com o seu contato. A Terra ficará livre deles e os homens marcharão sem entraves para o futuro melhor, que lhes está reservado aqui, como prêmio por seus esforços e por sua perseverança, esperando que uma depuração ainda mais completa lhes abra a entrada dos mundos superiores.

Por esta emigração de Espíritos não se deve entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra e relegados a mundos inferiores. Muitos, ao contrário, a ela voltarão, porque muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; neles a casca era pior que a essência. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos preconceitos do mundo corporal, a maioria verá as coisas de maneira completamente diferente do que quando vivos, do que tendes numerosos exemplos. Nisto são ajudados pelos Espíritos benevolentes, que por eles se interessam e que se desvelam em os esclarecer e em lhes mostrar o falso caminho que seguiram. Por vossas preces e exortações, vós mesmos podeis contribuir para sua melhoria, porque há solidariedade perpétua entre os mortos e os vivos.

Aqueles, pois, poderão voltar, com o que serão felizes, pois isto será uma recompensa. Que importa o que tiverem sido ou feito, se forem animados de melhores sentimentos! Longe de serem hostis à sociedade e ao progresso, serão auxiliares úteis, porque pertencerão à nova geração.

Assim, só haverá uma exclusão definitiva para os Espíritos rebeldes por natureza, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais que a ignorância, tornam-se surdos à voz do bem e da razão. Mas, mesmo estes não estão votados a uma inferioridade perpétua, e dia virá em que repudiarão o seu passado e abrirão os olhos à luz.

Orai, pois, por esses endurecidos, a fim de que se emendem enquanto é tempo, pois o dia da expiação está próximo.

Infelizmente, por desconhecer a voz de Deus, a maioria persistirá em sua cegueira e sua resistência marcará o fim de seu reino por lutas terríveis. Em seu desvario, eles próprios cavarão a sua ruína; impelirão à destruição, que engendrará uma porção de flagelos e calamidades, de sorte que, sem o querer, apressarão o advento da era da renovação.

E como se a destruição não marchasse bastante depressa, ver-se-ão os suicídios multiplicando-se em proporção nunca vista, até entre as crianças. A loucura jamais terá ferido maior número de homens que, mesmo antes da morte, serão riscados do número dos vivos. São estes os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isto se realizará pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que em nada sejam derrogadas as leis da Natureza.

Todavia, através da nuvem sombria que vos envolve, e em cujo seio brame a tempestade, já vedes surgirem os primeiros raios da era nova! A fraternidade assenta os seus fundamentos em todos os pontos do globo e os povos se estendem as mãos; a barbárie se familiariza ao contato da civilização; os preconceitos de raças e de seitas, que derramaram rios de sangue, se extinguem; o fanatismo e a intolerância perdem terreno, enquanto a liberdade de consciência introduz-se nos costumes e se torna um direito. Por toda parte fermentam as idéias; vê-se o mal e experimentam-se os remédios, mas muitos marcham sem bússola e se perdem nas utopias. O mundo está num imenso processo de gestação, que durará um século. Nesse trabalho, ainda confuso, vê-se, no entanto, dominar uma tendência para um objetivo: o da unidade e da uniformidade que predispõem à fraternização.

São ainda sinais do tempo. Mas, enquanto os outros são os da agonia do passado, estes últimos são os primeiros vagidos da criança que nasce, os precursores da aurora que o próximo século verá levantar-se, porque, então, a nova geração estará em toda a sua força. Tanto a fisionomia do século dezenove difere da do século dezoito, sob certos pontos de vista, quanto a do século vinte será diferente da do dezenove, sob outros pontos de vista.

Um dos caracteres distintivos da nova geração será a fé inata; não a fé exclusiva e cega, que divide os homens, mas a fé raciocinada, que esclarece e fortifica, que os une e os confunde num comum sentimento de amor a Deus e ao próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os últimos vestígios da incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao progresso moral e social.

O Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque destrói os dois maiores obstáculos que a ela se opõem: a incredulidade e o fanatismo. Dá uma fé sólida e esclarecida; desenvolve todos os sentimentos e todas as idéias que correspondem às vistas da nova geração. Por isto é como que inato e em estado de intuição no coração de seus representantes. A era nova vê-lo-á, pois, crescer e prosperar pela força mesma das coisas. Tornar-se-á a base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as instituições.

Mas, daqui até lá, quantas lutas terá ainda de sustentar contra os seus dois maiores inimigos: a incredulidade e o fanatismo, que, coisa bizarra, se dão as mãos para o abater! Eles pressentem seu futuro e sua ruína, razão por que o temem, pois já o vêem plantar, sobre as ruínas do velho mundo egoísta, a bandeira que deve unir todos os povos. Na divina máxima: Fora da caridade não há salvação, lêem sua própria condenação, porque é o símbolo da nova aliança fraternal proclamada pelo Cristo.22 Ela se lhes mostra como as palavras fatais do festim de Baltazar. E, contudo, deviam bendizer esta máxima, porque os garante contra todas as represálias da parte dos que perseguem. Mas não, uma força cega os impele a rejeitar a única coisa que os poderia salvar!

Que poderão eles contra o ascendente da opinião que os repudia? O Espiritismo sairá triunfante da luta, não o duvideis, porque, estando nas leis da Natureza é, por isto mesmo, imperecível. Vede por que multidão de meios a idéia se espalha e penetra em toda parte; crede bem que esses meios não são fortuitos, mas providenciais; aquilo que, à primeira vista, pareceria dever prejudicá-lo, é precisamente o que ajuda a sua propagação.

Logo verá surgirem campeões altamente reconhecidos entre os homens mais considerados e mais acreditados, que o apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo, e imporão silêncio aos seus detratores, porque não ousarão tratá-los de loucos. Esses homens o estudam no silêncio e se mostrarão quando chegar o momento propício. Até lá, convém que se mantenham afastados.

Logo também vereis as artes aí beber, como numa fonte fecunda, e traduzir seus pensamentos e os horizontes que descobre pela pintura, a música, a poesia e a literatura. Já vos foi dito que haveria um dia a arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande verdade, porque os maiores gênios nele se inspirarão. Em breve vereis os seus primeiros esboços, e mais tarde ele ocupará o lugar que deve ter.

Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens de coração e devotamento. Não vos assusteis com os obstáculos, pois nenhum deles poderá entravar os desígnios da Providência. 22 Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XV. Trabalhai sem descanso e agradecei a Deus por vos ter colocado na vanguarda da nova falange. É um posto de honra que vós mesmos pedistes, e do qual vos deveis tornar dignos por vossa coragem, perseverança e devotamento. Ditosos os que sucumbirem nesta luta contra a força; mas a vergonha será, no mundo dos Espíritos, para os que sucumbirem pela fraqueza ou pela pusilanimidade. Aliás, as lutas são necessárias para fortificar a alma; o contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem. Sem as lutas que estimulam as faculdades, o Espírito deixar-se-ia arrastar por uma indiferença funesta ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos desenvolvem as forças físicas e a inteligência; as lutas contra o mal desenvolvem as forças morais.

Observações – 1o – A maneira pela qual se opera a transformação é muito simples e, como se vê, é toda moral e em nada se afasta das leis da Natureza. Por que, então, os incrédulos repelem essas idéias, já que nada têm de sobrenatural? É que, segundo eles, a lei de vitalidade cessa com a morte do corpo, ao passo que para nós ela prossegue sem interrupção; eles restringem sua ação e nós a estendemos. Eis por que dizemos que os fenômenos da vida espiritual não saem das leis da Natureza. Para eles o sobrenatural começa onde acaba a apreciação pelos sentidos.

2o – Quer os Espíritos da nova geração sejam novos Espíritos melhores, quer os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o mesmo. Desde o instante que trazem melhores disposições, é sempre uma renovação. Os Espíritos encarnados formam, assim, duas categorias, conforme suas disposições naturais: de uma parte, os Espíritos retardatários que partem; de outra, os Espíritos progressistas que chegam. O estado dos costumes e da sociedade estará, pois, num povo, numa raça ou no mundo inteiro, na razão do das duas categorias que tiver a preponderância.

Para simplificar a questão, consideremos um povo, num grau qualquer de adiantamento, e composto de vinte milhões de almas, por exemplo. Fazendo-se a renovação dos Espíritos à medida das extinções, isoladas ou em massa, necessariamente houve um momento em que a geração dos Espíritos retardatários ultrapassava em número a dos Espíritos progressistas, que apenas contavam raros representantes sem influência, e cujos esforços para fazer predominar o bem e as idéias progressistas estavam paralisados. Ora, partindo uns e chegando outros, após um dado tempo as duas forças se equilibram e sua influência se contrabalança. Mais tarde, os recém-chegados são maioria e sua influência torna-se preponderante, conquanto ainda entravada pela dos primeiros; estes, continuando a diminuir, enquanto os outros se multiplicam, acabarão por desaparecer. Chegará, então, o momento em que a influência da nova geração será exclusiva.

Assistimos a esta transformação, ao conflito que resulta da luta das idéias contrárias, que procuram implantar-se. Umas marcham com a bandeira do passado, outras com a do futuro. Se se examinar o estado atual do mundo, reconhecer-se-á que, tomada em seu conjunto, a Humanidade terrestre ainda está longe do ponto intermediário, em que as forças se contrabalançam; que os povos, considerados isoladamente, estão a uma grande distância uns dos outros, nesta escada; que alguns alcançam este ponto, mas nenhum ainda o ultrapassou. Aliás, a distância que o separa dos pontos extremos está longe de ser igual em duração, e uma vez transposto o limite, o novo caminho será percorrido com tanto mais rapidez, quanto uma imensidão de circunstâncias o virão aplainar.

Assim se realiza a transformação da Humanidade. Sem a emigração, isto é, sem a partida dos Espíritos retardatários, que não devem voltar, ou que só voltarão depois de se terem melhorado, nem por isto a Humanidade terrena ficará indefinidamente estacionária, porque os Espíritos mais atrasados por sua vez progridem; mas, teriam sido precisos séculos, talvez milhares de anos, para atingir o resultado que meio século bastará para realizar.

Uma comparação vulgar fará se compreenda melhor ainda o que se passa nessa circunstância. Suponhamos um regimento, em sua grande maioria composto de homens turbulentos e indisciplinados: estes provocarão incessantes desordens, que a severidade da lei penal muitas vezes terá dificuldade em reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque mais numerosos; sustentam-se, encorajam-se e se estimulam pelo exemplo. Os poucos bons não têm influência; seus conselhos são desprezados; são ultrajados, maltratados pelos outros e sofrem este contato. Não é a imagem da sociedade atual?

Imaginemos que tais homens sejam retirados do regimento, um a um, cem a cem, e substituídos por igual número de bons soldados, mesmo pelos que tiverem sido expulsos, mas que se tenham emendado seriamente: ao cabo de algum tempo ter-se-á sempre o mesmo regimento, mas transformado; a boa ordem nele terá sucedido a desordem. Dar-se-á o mesmo com a Humanidade regenerada.

As grandes partidas coletivas não apenas terão como objetivo ativar as saídas, mas transformar mais rapidamente o espírito da massa, desembaraçando-a das más influências, e dar maior ascendente às idéias novas.

Eis por que muitos partem, a despeito de suas imperfeições, a fim de se retemperarem numa fonte mais pura, porque estão maduros para esta transformação. Se tivessem ficado no mesmo meio e sob as mesmas influências, teriam persistido em suas opiniões e em sua maneira de ver as coisas. Basta uma estada no mundo dos Espíritos para lhes abrir os olhos, porque aí vêem o que não podiam ver na Terra. O incrédulo, o fanático, o absolutista poderão, assim, voltar com idéias inatas de fé, de tolerância e de liberdade. Em seu regresso, encontrarão as coisas mudadas e sofrerão o ascendente do novo meio onde nascerem. Em vez de fazer oposição às idéias novas, serão seus auxiliares.

Assim, a regeneração da Humanidade não necessita absolutamente da renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais. Esta modificação se opera em todos os que a isto forem predispostos, quando subtraídos à influência perniciosa do mundo. Nem sempre os que voltarem serão outros Espíritos, mas, muitas vezes, os mesmos Espíritos, pensando e sentindo diversamente.

Quando essa melhora é isolada e individual, passa desapercebida e não tem influência ostensiva no mundo. Outro será o efeito, quando operada simultaneamente em grandes massas, porque, então, conforme as proporções, em uma geração as idéias de um povo ou de uma raça poderão ser modificadas profundamente.

É o que se nota quase sempre depois dos grandes abalos que dizimam as populações. Os flagelos destruidores só destroem o corpo, mas não atingem o Espírito; ativam o movimento de vaivém entre o mundo corporal e o mundo espiritual e, em conseqüência, o movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados.

É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve desencadear o remanejamento da Humanidade. A multiplicidade das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque deve apressar a eclosão dos novos germes. São as folhas de outono que caem, e às quais sucederão novas folhas, cheias de vida, pois a Humanidade tem as suas estações, como os indivíduos as suas idades. As folhas mortas da Humanidade caem, levadas pela ventania, para renascer mais vivazes, sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.

Para o materialista, os flagelos destruidores são calamidades sem compensação, sem resultados úteis, porquanto, segundo ele, aniquilam os seres sem retorno. Mas para o que sabe que a morte apenas destrói o envoltório, eles não têm as mesmas conseqüências e não lhe causam o menor pavor, porque compreende o seu objetivo e sabe também que os homens não perdem mais morrendo em conjunto do que isoladamente, uma vez que, de uma ou de outra maneira, é preciso sempre lá chegar.

Os incrédulos rirão destas coisas e as tratarão como quimeras. Mas, digam o que disserem, não escaparão à lei comum; cairão por sua vez, como os outros e, então, o que acontecerá? Dizem: nada. Mas viverão, a despeito de si mesmos, e um dia serão forçados a abrir os olhos.

Nota – A comunicação seguinte nos foi dirigida durante a viagem que acabamos de fazer, da parte de um de nossos caros protetores invisíveis. Embora tenha um caráter pessoal, também se liga à grande questão que acabamos de tratar, e que a confirma. Por isso é colocada aqui. As pessoas perseguidas em razão de suas crenças espíritas nela encontrarão úteis encorajamentos.

“Paris, 1o de setembro de 1866.

“Já faz bastante tempo que n&atil
R.E. , outubro de 1866, p. 385