Dificuldades
Dissertações Espíritas
(Lyon, novembro de 1863 – Médium: Sr. X...)
I
IDÉIAS PRECONCEBIDAS

Temos-vos dito muitas vezes que investiguem as comunicações que vos são dadas, submetendo-as à análise da razão, e que não tomeis sem exame as inspirações que vêm agitar o vosso Espírito, sob a influência de causas por vezes muito difíceis de constatar pelos encarnados, entregues a distrações sem-número.

As idéias puras que, por assim dizer, flutuam no espaço (segundo a idéia platônica), levadas pelos Espíritos, nem sempre podem alojar-se sozinhas e isoladas no cérebro dos vossos médiuns. Muitas vezes encontram o lugar ocupado por idéias preconcebidas, que se espalham com o jacto da inspiração,perturbando-o e transformando-o de maneira inconsciente, é verdade, mas algumas vezes de maneira bastante profunda para que a idéia espiritual se ache, assim, inteiramente desnaturada.

A inspiração encerra dois elementos: o pensamento e o calor fluídico destinado a excitar o Espírito do médium, dando-lhe o que chamais a verve da composição. Se a inspiração encontrar o lugar ocupado por uma idéia preconcebida, da qual o médium não pode ou não quer desligar-se, nosso pensamento fica sem intérprete e o calor fluídico se gasta em estimular uma idéia que não é nossa. Quantas vezes em vosso mundo egoísta e apaixonado temos trazido o calor e a idéia! Desdenhais a idéia, que vossa consciência deveria fazer-vos reconhecer e vos apoderais do calor,em benefício de vossas paixões terrenas, por vezes dilapidando o bem de Deus em proveito do mal. Assim, quantas contas terão de prestar um dia todos os advogados das causas equivocadas!

Sem dúvida seria desejável que as boas inspirações pudessem sempre dominar as idéias preconcebidas. Mas, então, entravaríamos o livre-arbítrio da vontade do homem e, assim, este último escaparia à responsabilidade que lhe pertence. Mas se somos apenas os conselheiros auxiliares da Humanidade, quantas vezes nos devemos felicitar, quando nossa idéia, batendo à porta de uma consciência estreita, triunfa da idéia preconcebida e modifica a convicção do inspirado! Entretanto, não se deveria crer que nosso auxílio mal-empregado não traísse um pouco o mau uso que dele podem fazer. A convicção sincera encontra acentos que, partidos do coração, chegam ao coração; a convicção simulada pode satisfazer as convicções apaixonadas, vibrando em uníssono com a primeira, mas traz um frio particular que deixa a consciência malsatisfeita e revela uma origem duvidosa.

Quereis saber de onde vêm os dois elementos da inspiração mediúnica? A resposta é fácil: a idéia vem do mundo extraterrestre – é a inspiração própria do Espírito. Quanto ao calor fluídico da inspiração, nós o encontramos e o tomamos em vós mesmos; é a parte quintessenciada do fluido vital em emanação; algumas vezes nós a tomamos do próprio inspirado, quando este é dotado de certo poder fluídico, ou mediúnico, como dizeis; na maioria das vezes nós o tomamos em seu ambiente, na emanação de benevolência, de que está mais ou menos cercado. É por isto que se pode dizer com razão que a simpatia torna eloqüente.

Se refletirdes atentamente nestas causas, encontrareis a explicação de muitos fatos que a princípio causam admiração, mas dos quais cada qual possui uma certa intuição. Só a idéia não bastaria ao homem, se não se lhe desse o poder de exprimi-la. O calor é para a idéia o que o perispírito é para o Espírito, o que o vosso corpo é para a alma. Sem o corpo a alma seria impotente para agitar a matéria; sem o calor, a idéia seria impotente para comover os corações.

A conclusão desta comunicação é que jamais deveis abdicar de vossa razão, ao examinardes as inspirações que vos são submetidas. Quanto mais o médium tem idéias adquiridas, mas é ele susceptível de idéias preconcebidas, mais deve fazer tábula rasa de seus próprios pensamentos, abandonar as influências que o agitam e dar à sua consciência a abnegação necessária a uma boa comunicação.

II

DEUS NÃO SE VINGA

O que precede não passa de um preâmbulo destinado a servir de introdução a outras idéias. Falei-vos de idéias preconcebidas, mas há outras além das que vêm das inclinações do inspirado; há as que são conseqüência de uma instrução errônea, de uma interpretação acreditada num tempo mais ou menos longo,que tiveram sua razão de ser numa época em que a razão humana estava insuficientemente desenvolvida e que, passadas ao estado crônico, só podem ser modificados por esforços heróicos, sobretudo quando têm para si a autoridade do ensino religioso e de livros reservados. Uma destas idéias é esta: Deus se vinga. Que um homem, ferido em seu orgulho, em sua pessoa ou em seus interesses, se vingue, isto se concebe; embora culpado tal vingança está dentro dos limites das imperfeições humanas. Mas um pai que se vinga nos filhos levanta a indignação geral, porque cada um sente que um pai, encarregado da tarefa de criar os seus filhos,pode corrigir-lhes os erros e os defeitos por todos os meios ao seu alcance, mas a vingança lhe é interdita, sob pena de tornar-se estranho a todos os direitos da paternidade. Sob o nome de vindita pública, a sociedade que desaparece vingava-se dos culpados; a punição infligida, muitas vezes cruel, não passava de vingança sobre as más ações do homem perverso; ela não se preocupava absolutamente com a reabilitação desse homem, deixando a Deus o cuidado de o punir ou de o perdoar. Bastava-lhe ferir pelo terror, que julgava salutar, os futuros
culpados. A sociedade que surge não pensa mais assim; se ainda não age em vista da reeducação do culpado, ao menos compreende o que a vingança contém de odioso por si mesma; salvaguardar a sociedade contra os ataques de um criminoso lhe basta e, ajudada pelo temor de um erro judiciário, em breve a pena capital desaparecerá dos vossos códigos.

Se hoje a sociedade se julga muito forte em frente a um culpado para se deixar tomar pela cólera e dele vingar-se, como quereis que Deus, participando de vossas fraquezas, se deixe tomar por um sentimento irascível e fira por vingança um pecador chamado ao arrependimento? Crer na cólera divina é um orgulho da Humanidade, que se imagina pesar bastante na balança divina. Se a planta do vosso jardim não se desenvolve a contento, ireis encolerizar-vos e vos vingar dela? Não; se puderdes a soerguereis, apoiá-la-eis em estacas e, se necessário, a transplantareis, mas não vos vingareis. Assim faz Deus.

Vingar-se, Deus? que blasfêmia! que amesquinhamento da grandeza divina! quanta ignorância da distância infinita que separa o Criador da criatura! Quanto esquecimento de sua bondade e de sua justiça! Deus viria, numa existência em que não vos resta nenhuma lembrança dos vossos erros passados, fazer-vos pagar muito caro as faltas cometidas numa época apagada em vosso ser! Não, não! Deus não age assim; ele entrava o impulso de uma paixão funesta, corrige o orgulho inato por uma humildade forçada, retifica o egoísmo do passado pela urgência de uma necessidade presente, que leva a desejar a existência de um sentimento que o homem nem conheceu, nem experimentou. Como pai, corrige,mas, também como pai, Deus não se vinga.

Guardai-vos dessas idéias preconcebidas de vingança celeste, detritos perdidos de um erro antigo. Guardai-vos dessas tendências fatalistas, cuja porta está aberta para vossas doutrinas novas e que vos conduziriam diretamente ao quietismo oriental. A parte de liberdade do homem já não é bastante grande para diminuí-la ainda mais por crenças errôneas; quanto mais sentirdes vossa liberdade, sem dúvida maior será a vossa responsabilidade e tanto mais os esforços de vossa vontade vos conduzirão adiante, na senda do progresso.

Pascal

III

A VERDADE

A verdade, meu amigo, é uma dessas abstrações para as quais tende o Espírito humano incessantemente, sem jamais poder atingi-la. É preciso que ele tenda para ela, é uma das condições do progresso, mas, pela simples razão da imperfeição de sua natureza, ele não poderia alcançá-la. Seguindo a direção que segue a verdade em sua marcha ascendente, o Espírito humano está na via providencial, mas não lhe é dado ver o seu termo.

Compreender-me-ás melhor quando souberes que a verdade é, como o tempo, dividida em duas partes, pelo momento inapreciável que se chama o presente, a saber: o passado e o futuro. Assim, há duas verdades: a verdade relativa e a verdade absoluta; a verdade relativa é o que é; a verdade absoluta é o que deveria ser. Ora, como o que deveria ser sobe por graus até a perfeição absoluta, que é Deus, segue-se que, para os seres criados e seguindo a rota ascensional do progresso, não há senão verdades relativas. Mas, do fato de uma verdade relativa não ser imutável, não se segue que seja menos sagrada para o ser criado.

Vossas leis, vossos costumes, vossas instituições são essencialmente perfectíveis e, por isto mesmo, imperfeitas; mas suas imperfeições não vos liberam do respeito que lhes deveis. Não é permitido adiantar-se ao tempo e fazer leis fora das leis sociais. A Humanidade é um ser coletivo que deve marchar, se não em seu conjunto, ao menos por grupos, para o progresso do futuro. Aquele que se destaca da sociedade humana para avançar como criança perdida, sofre sempre na vossa Terra a pena devida à sua impaciência. Deixai aos iniciadores inspirados pelo Espírito de Verdade, o cuidado de proclamar as leis do futuro, submetendo-se
à do presente. Deixai a Deus, que mede vossos progressos pelos esforços que tendes feito para vos tornardes melhores, o cuidado de escolher o momento que julgar útil para uma nova transição,mas jamais vos esquiveis a uma lei senão quando for derrogada.

Porque o Espiritismo foi revelado entre vós, não creiais num cataclismo das instituições sociais; até agora ele tem realizado uma obra subterrânea e inconsciente para aqueles que foram os seus instrumentos. Hoje que ele vem à tona e surge à luz, nem por isso a marcha do progresso deve ser de lenta regularidade. Desconfiai dos Espíritos impacientes, que vos impelem para as sendas perigosas do desconhecido. A eternidade que vos é prometida deve levar-vos a ter piedade das ambições tão efêmeras da vida. Sede reservados até em suspeitar, muitas vezes, da voz dos Espíritos que se manifestam.

Lembrais-vos disto: O Espírito humano move-se e se agita sob a influência de três causas, que são: a reflexão, a inspiração e a revelação. A reflexão é a riqueza de vossas lembranças, que agitais voluntariamente. Nela, o homem encontra o que lhe é rigorosamente útil, para satisfazer às necessidades de uma posição estacionária. A inspiração é a influência dos Espíritos extraterrestres, que se misturam mais ou menos às vossas próprias reflexões para vos compelir ao progresso; é a intromissão do melhor na insuficiência da passagem, uma força nova que se junta a uma força adquirida,para vos levar mais longe que o presente, a prova irrecusável de uma causa oculta que vos impulsiona para frente, e sem a qual permaneceríeis estacionários. Porque é regra física e moral que o efeito não poderia ser maior que sua causa, e quando isto acontece,como no progresso social, é que uma causa ignorada, não percebida, juntou-se à causa primeira de vosso impulso. A revelação é a mais elevada das forças que agitam o Espírito do homem, porque vem de Deus e só se manifesta por sua vontade expressa; ela é rara, por vezes mesmo inapreciável, algumas vezes evidente para o que a experimenta a ponto de sentir-se involuntariamente tomado de santo respeito. Repito, ela é rara e dada ordinariamente como recompensa à fé sincera, ao coração devotado; mas não tomeis como revelação tudo quanto vos pode ser dado como tal. O homem se vangloria da amizade dos grandes, os Espíritos exibem uma permissão especial de Deus, que muitas vezes lhes falta. Algumas vezes fazem promessas que Deus não ratifica, porque só ele sabe o que é e o que não é preciso.

Eis, meu amigo, tudo quanto posso dizer-te sobre a verdade. Humilha-te perante o grande Ser, por quem tudo vive e se move na infinidade dos mundos, que seu poder governa; medita que se nEle se acha toda a sabedoria, toda justiça e todo poder, nEle também se acha toda a verdade.

Pascal

ESTUDO SOBRE A MEDIUNIDADE

(Sociedade de Paris, 7 de abril de 1865 – Médium: Sr. Costel)

Não se devem erigir em sistemas os ditados mal concebidos e mal expressos, que desnaturam totalmente a inspiração mediúnica, se é que esta tenha existido. Deixo a outros o cuidado de explicar a teoria do progresso, porque é inútil que todos os médiuns tratem do mesmo assunto. Vou ocupar-me da mediunidade, esse tema inesgotável de pesquisas e estudos.

A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; nem é uma exceção, nem um favor, e faz parte do grande conjunto humano. Como tal está sujeita às variações físicas e às desigualdades morais; sofre o temível dualismo do instinto e da inteligência. Possui seus gênios, sua multidão e suas anomalias.

Jamais se devem atribuir aos Espíritos – e por estes eu me refiro aos que são elevados – esses ditados sem fundo e sem forma, que aliam à sua nulidade o ridículo de serem assinados por nomes ilustres. A mediunidade séria só investe em cérebros providos de uma instrução suficiente ou, pelo menos, provados pelas lutas passionais. Os melhores médiuns são os únicos a receber o afluxo espiritual; os outros sofrem tão-somente o impulso fluídico material, que lhes movimenta as mãos, sem fazer que sua inteligência produza algo que já não disponha em estado latente. É preciso encorajá-los a trabalhar, mas não iniciar o público em suas elucubrações.

As manifestações espíritas devem ser feitas com a maior reserva; se for indispensável acumular, para a dignidade pessoal, todas as provas de uma perfeita boa-fé em torno das experiências físicas, pelo menos importa preservar as comunicações espirituais do ridículo, que muito facilmente se prendem às idéias e aos sistemas assinados irrisoriamente por nomes célebres, que são e continuarão sempre estranhos a essas produções. Não ponho em dúvida a lealdade das pessoas que, recebendo o choque elétrico, o confundem com a inspiração mediúnica. A Ciência tem seus pseudo-sábios, a mediunidade os seus falsos médiuns, na ordem espiritual, bem entendido.

Tento estabelecer aqui a diferença que existe entre os médiuns inspirados pelos fluidos espirituais e os que não agem senão pelo impulso fluídico corporal, isto é, os que vibram intelectualmente e aqueles cuja ressonância física só leva à produção confusa e inconsciente de suas próprias idéias, ou de idéias vulgares e sem alcance.

Existe, pois, uma linha de demarcação muito nítida entre os médiuns escreventes: uns obedecendo à influência  espiritual, que só os leva a escrever coisas úteis e elevadas; outros,sofrendo a influência fluídica material que age sobre seus órgãos
cerebrais, como os fluidos físicos agem sobre a matéria inerte. Esta primeira classificação é absoluta, mas admite uma porção de variedades intermediárias. Aqui indico os principais traços de um estudo importante, que outros Espíritos completarão. Somos os pioneiros do progresso terrestre, e solidários uns com os outros. Na falange espírita formamos o núcleo do futuro.

Georges

Observação – A frase na qual o Espírito diz que deixa a outros o cuidado de explicar a teoria do progresso, é motivada por diversas perguntas que tinham sido propostas sobre o assunto na sessão. Quando diz que a mediunidade é um tema inesgotável de pesquisas e estudos, está perfeitamente certo.

Embora o estudo desta parte integrante do Espiritismo esteja longe de ser completa, já estamos longe do tempo em que se acreditava que bastasse receber um impulso mecânico para se dizer médium e se julgar apto a receber comunicações de todos os Espíritos. Isto equivaleria a pensar que o primeiro que tocasse uma pequena ária ao piano devesse ser necessariamente um excelente músico. O progresso da ciência espírita, que diariamente se enriquece com novas observações, mostra-nos a quantas causas diferentes e influências delicadas, que não se suspeitava, são submetidas as relações inteligentes com o mundo espiritual. Os Espíritos não podiam ensinar tudo ao mesmo tempo; mas, como hábeis professores, à medida que as idéias se desenvolvem, entram em maiores detalhes e desdobram os princípios que, dados prematuramente, não teriam sido compreendidos e teriam confundido o nosso pensamento.

A mediunidade exige, pois, um estudo sério da parte de quem quer que veja no Espiritismo uma coisa séria. À medida que os verdadeiros mecanismos desta faculdade forem mais bem conhecidos, estaremos menos expostos às decepções, porque saberemos o que ela pode dar e em que condições poderá fazê-lo. Quanto mais houver pessoas esclarecidas sobre este ponto, menos vítimas haverá do charlatanismo.

PROGRESSO INTELECTUAL

(Sociedade de Paris, 31 de março de 1865 – Médium: Sr. Desliens)

Nada se perde neste mundo, não só na matéria, onde tudo se renova incessantemente, aperfeiçoando-se segundo leis imutáveis aplicadas a todas as coisas pelo Criador, como, também,no domínio da inteligência. A Humanidade é semelhante a um homem que vivesse eternamente e adquirisse continuamente novos conhecimentos.

Isto não é uma imagem, mas uma realidade, porque o Espírito é imortal; somente o corpo, envoltório ou vestimenta do Espírito, cai quando gasto e é substituído por outro. A própria matéria sofre modificações. À medida que o Espírito se depura, adquire novas riquezas e merece, se assim me posso exprimir, uma roupagem mais luxuosa, mais agradável, mais cômoda, para empregar vossa linguagem terrena.

A matéria se sublima e se torna cada vez mais leve, sem jamais desaparecer completamente, pelo menos nas regiões médias; quer como corpo, quer como perispírito, ela acompanha sempre a inteligência e lhe permite, por este ponto de contato, comunicar-se com seus inferiores, seus iguais e seus superiores, para instruir,meditar e aprender.

Dissemos que nada se perde em a Natureza. Acrescentamos: nada é inútil. Tudo, das criaturas mais perigosas até os venenos mais sutis, têm a sua razão de ser. Quantas coisas haviam sido julgadas inúteis ou prejudiciais e cujas vantagens foram reconhecidas mais tarde! Outro tanto se dá com as que não compreendeis. Sem tratar a fundo a questão, apenas direi que as coisas nocivas vos obrigam a atenção e a vigilância que exercitam a inteligência, ao passo que se o homem nada tivesse a temer,abandonar-se-ia à preguiça, em prejuízo de seu desenvolvimento. Se a dor ensina a gemer, gemer é um ato de inteligência.

Deus, sem dúvida, como objetam alguns, poderia vos ter poupado das provações e dificuldades, que vos parecem supérfluas; mas se os obstáculos vos são opostos, é para despertar em vós os recursos adormecidos; é para impulsionar os tesouros da inteligência, que ficariam enterrados no vosso cérebro, se uma necessidade, um perigo a evitar não vos viesse forçar a velar por vossa conservação.

O instinto nasce; a inteligência o segue, as idéias se encadeiam e está inventado o raciocínio. Se raciocino, julgo, bem ou mal, é verdade, mas é raciocinando errado que se aprende a reconhecer a verdade; quando se é enganado várias vezes, acaba-se acertando; e esta verdade, esta inteligência, obtidas por tanto trabalho, adquirem um preço infinito e vos faz considerar a sua posse como um bem inestimável. Temeis ver se perderem descobertas que fizestes; que fazeis, então? Instruís vossos filhos, vossos amigos; desenvolveis sua inteligência, a fim de nela semear e fazer frutificar o que adquiristes a preço de esforços intelectuais. É assim que tudo se encadeia, que o progresso é uma lei natural e que os conhecimentos humanos, acrescidos paulatinamente, se transmitem de geração em geração. Que, depois disto, vos venham dizer que tudo é matéria! Em sua maioria, os materialistas não repelem a espiritualidade senão porque, sem isto, precisariam mudar o gênero de vida, atacar os seus erros, renunciar aos seus hábitos. Seria muito custoso, razão por que acham mais cômodo tudo negar.

Pascal

DA SERIEDADE NAS REUNIÕES

(Sociedade de Paris, 17 de março de 1865 – Médium: Sr. Desliens)

Como já tendes provas, a atitude séria dos membros de um grupo choca os estranhos que assistem às sessões com a intenção de as expor ao ridículo; muda-lhes a vontade de zombar em respeito involuntário e, do respeito ao estudo sério, por conseguinte à fé, a transição é insensível. Aliás, aqueles que não saem convencidos dessas reuniões, delas levam ao menos uma impressão favorável; e, se não se aliam a vós imediatamente, deixam de fazer parte de vossos adversários obstinados. Eis uma primeira razão que vos deve convencer a serdes sérios e recolhidos. Com efeito, que quereis que pensem os que saem de uma reunião onde os assuntos mais dignos de respeito são tratados com leviandade e inconseqüência? Embora os espíritas que assim procedem estejam longe de ser mal-intencionados, não são menos prejudiciais: não em relação ao futuro, mas ao rápido desenvolvimento da doutrina. Se apenas se tivessem realizado reuniões sérias, conduzidas de maneira conveniente, a doutrina estaria ainda muito mais adiantada, se bem que já o esteja bastante. Agir assim não é agir como verdadeiros espíritas, nem no interesse da doutrina, porque os adversários aproveitam-se disso para ridicularizá-la. É, pois, um dever dos que lhe compreendem a importância não prestar apoio a reuniões dessa natureza.

Não é somente à doutrina que prejudicam, mas,também, a si próprios, porquanto, se toda boa ação traz consigo a recompensa, toda ação leviana deixa atrás de si uma impressão deplorável, por vezes seguida de uma punição física, cuja menor conseqüência pode ser a suspensão da mediunidade ou, pelo menos, a impossibilidade de comunicar-se com os Espíritos bons.

É preciso ser sério, não apenas com os Espíritos benevolentes e esclarecidos, que vêm dar sábias instruções, e que o vosso pouco recolhimento afastaria, mas, ainda, com os Espíritos sofredores ou malévolos, que vêm, uns vos pedir consolações, outros vos mistificar. Direi mesmo que é principalmente com estes últimos que se requer gravidade, embora temperada pela benevolência. É o melhor meio de lhes impor e os manter a distância, compelindo-os ao respeito. Se vos rebaixardes até a familiaridade com os que vos são inferiores, moral e intelectualmente, não tardareis a ser vítimas de sua influência perversa, que se traduz, inicialmente, por mistificações e, mais tarde, por cruéis e tenazes obsessões.

Mantende-vos em guarda; adaptai vossa linguagem conforme a dos Espíritos que se comunicam em vossos grupos, mas que a seriedade e a benevolência jamais sejam excluídas. Não repilais os que se vos apresentam sob aparências imperfeitas. Talvez prefirais sempre comunicações sensatas, sobre as quais não vos seja necessário exercitar o vosso sentimento e o vosso julgamento para lhes conhecer o valor, mas considerai que o julgamento só se desenvolve pelo exercício. Todas as comunicações têm sua utilidade para os que delas sabem tirar proveito; uma mistificação reconhecida e prevenida pode agir com mais eficácia sobre as vossas almas, fazendo-vos perceber melhor os pontos a reforçar, do que instruções que vos contentaríeis em admirar sem as pôr em prática.

Trabalhai com coragem e sinceridade, e o Espírito do Senhor será convosco.

Moki

IMIGRAÇÃO DE ESPÍRITOS SUPERIORES NA TERRA

(Sociedade Espírita de Paris, 7 de outubro de 1864 – Médium: Sr. Delanne)

Nesta noite vos falarei das imigrações de Espíritos adiantados que vêm encarnar-se em vossa Terra. Esses novos mensageiros já tomaram o cajado do peregrino; já se espalham aos milhares em vosso globo; por toda parte estão dispostos em grupos e em séries, pelos Espíritos que dirigem o movimento de transformação. A Terra já se agita ao sentir em seu seio aqueles que outrora ela viu passar através de sua Humanidade nascente. Ela se regozija em os rever, porque pressente que vêm para conduzi-la à perfeição, tornando-se guias dos Espíritos ordinários, que precisam ser encorajados por bons exemplos.

Sim, grandes mensageiros estão entre vós; são eles que se tornarão os sustentáculos da geração futura. À medida que o Espiritismo cresce e se desenvolve, Espíritos de ordem cada vez mais elevada virão sustentar a obra, em razão das necessidades da causa. Deus espalhou suportes para a doutrina; eles surgirão no tempo e no lugar. Assim, sabei esperar com firmeza e confiança; tudo o que foi predito acontecerá, como diz o livro santo, até um iota.

Se a transformação atual, como acaba de dizer o mestre, levantou as paixões e fez surgir a escória dos Espíritos encarnados e desencarnados, também despertou o desejo ardente numa multidão de Espíritos de posição superior nos mundos dos turbilhões solares, de virem novamente servir aos desígnios de Deus para esse grande acontecimento.

Eis por que eu dizia há pouco que a imigração dos Espíritos superiores se operava em vossa Terra para ativar a marcha ascendente de vossa Humanidade. Assim, redobrai de coragem, de zelo, de fervor pela causa sagrada. Ficai sabendo que nada deterá a marcha progressiva do Espiritismo, porquanto poderosos protetores continuarão vossa obra.

Mesmer

SOBRE AS CRIAÇÕES FLUÍDICAS

(Sociedade de Paris, 14 de outubro de 1864 – Médium: Sr. Delanne)

Falei, em poucas palavras, sobre os grandes mensageiros enviados entre vós para realizar sua missão de progresso intelectual e moral em vosso globo.

Se, nessa ordem, o movimento se desenvolve e assume proporções que notais a cada dia, um outro se realiza, não só no mundo dos Espíritos que deixaram a matéria, mas também importante na ordem material. Quero falar das leis de depuração fluídica.

O homem não só deve elevar sua alma pela prática da virtude, mas deve, também, depurar a matéria. Cada indústria fornece seu contingente a esse trabalho, porque cada indústria produz misturas de toda espécie; essas espécies liberam fluidos que, mais depurados, vão juntar-se na atmosfera a fluidos mais similares,que se tornam úteis às manifestações dos Espíritos de que faláveis
há pouco.

Sim, os objetos procriados instantaneamente pela vontade, que é o mais rico dom do Espírito, são colhidos nos fluidos semimateriais, análogos à constituição semimaterial do corpo chamado perispírito, dos habitantes da erraticidade. Eis por
que, com esses elementos, eles podem criar objetos conforme o seu desejo.

O mundo dos invisíveis é como o vosso. Em vez de ser material e grosseiro, é fluídico, etéreo, da natureza do perispírito, que é o verdadeiro corpo do Espírito, haurido nesses meios moleculares, como o vosso se forma de coisas mais palpáveis, tangíveis, materiais.

O mundo dos Espíritos não é o reflexo do vosso; o vosso é que é uma imagem grosseira e muita imperfeita do reino de além-túmulo.

As relações entre esses dois mundos sempre existiram. Mas hoje é chegado o momento em que todas essas afinidades vos serão desvendadas, demonstradas e tornadas palpáveis.

Quando compreenderdes as leis das relações entre os seres fluídicos e os que conheceis, a lei de Deus estará próxima de ser executada; porque cada encarnado compreenderá sua imortalidade e, a partir de então, não apenas se tornará um ardente trabalhador da grande causa, mas, também, um digno servidor de suas obras.

Mesmer

Allan Kardec
R.E. , maio de 1865, p. 205