Arquitetura
Instruções dos Espíritos
PROGRESSÃO DO GLOBO TERRESTRE8

(Ditado espontâneo, integrando uma série de instruções sobre a teoria dos fluidos)

(Paris, 11 de novembro de 1863)

A progressão de todas as coisas leva necessariamente à transubstanciação, e a mediunidade espiritual é uma das forças da Natureza que lá fará chegar mais rapidamente o nosso planeta,porque, como todos os mundos, deve sofrer a lei da transformação e do progresso. Não só o seu pessoal humano, mas todas as suas produções minerais, vegetais e animais, seus gases e seus fluidos imponderáveis, também devem aperfeiçoar-se e se transformar em substâncias mais depuradas. A Ciência, que já trabalhou esta questão tão interessante da formação deste mundo, reconheceu que ele não foi criado de uma palavra, como diz o Gênesis, numa sublime alegoria, mas que sofreu, numa longa sucessão de séculos,transformações que produziram camadas minerais de diversas naturezas. Seguindo a gradação dessas camadas, aparecem sucessivamente e se multiplicam as produções vegetais; mais tarde encontram-se traços dos animais, o que indica que somente nessa época os corpos organizados haviam encontrado a possibilidade de viver.

Estudando a progressão dos seres animados, como se fez com os minerais e os vegetais, reconhece-se que esses seres, a princípio moluscos, elevaram-se gradualmente na escala animal e que sua progressão acompanhou a das produções e a da depuração do solo; nota-se, ao mesmo tempo, o desaparecimento de certas espécies, desde que as condições físicas necessárias à sua vida não mais existem. Foi assim, por exemplo, que os grandes sáurios,monstros anfíbios, e os mamíferos gigantes, dos quais hoje só se encontram os fósseis, desapareceram completamente da Terra,com as condições de existência que as inundações lhes haviam 8 Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 537. criado. Sendo os dilúvios um dos meios de transformação da Terra,foram quase gerais, isto é, durante um certo período, causaram forte comoção no globo e assim determinaram produções vegetais e fluidos atmosféricos diferentes. Assim como todos os seres orgânicos, o homem apareceu na Terra quando nela pôde encontrar as condições necessárias à sua existência.

Aí pára a criação material que depende apenas das forças da Natureza; aí começa o papel do Espírito encarnado no homem para o trabalho, pois deve concorrer para a obra comum; trabalhando para si mesmo, o homem trabalha para a melhora geral. Assim, desde as primeiras raças, vemo-lo a cultivar a terra, fazê-la produzir para suas necessidades corporais e, desse modo, provocar transformações em seu solo, em seus produtos, em seus gases e em seus fluidos. Quanto mais se povoa a Terra, tanto mais os homens a trabalham, a cultivam, a saneiam, tanto mais abundantes e variados são os seus produtos; a depuração de seus fluidos pouco a pouco leva ao desaparecimento das espécies vegetais e animais venenosas e nocivas ao homem, que já não podem subsistir num ar muito depurado e muito sutil para a sua organização, e não mais lhes fornece os elementos necessários à sua manutenção. O estado sanitário do globo melhorou sensivelmente desde a sua origem; mas como ainda deixa muito a desejar, é indício de que melhorará ainda pelo trabalho e pela indústria do homem. Não é sem propósito que este é impelido a estabelecer-se nas regiões mais ingratas e mais insalubres; já tornou habitáveis regiões infestadas por animais imundos e miasmas deletérios; pouco a pouco as transformações que faz sofrer o solo levarão à depuração completa.

Pelo trabalho o homem aprende a conhecer e dirigir as forças da Natureza. Pode-se acompanhar na História o fio das descobertas e das conquistas do espírito humano e a aplicação delas feitas para as suas necessidades e satisfações. Mas seguindo essa fieira, deve-se notar também que o homem se delineou,desmaterializou-se; e se se quiser fazer um paralelo do homem de hoje com os primeiros habitantes do globo, julgar-se-á do progresso já realizado; ver-se-á que quanto mais o homem progride, mais é estimulado a progredir, e que a progressão está na razão do progresso realizado. Hoje o progresso marcha em grande velocidade, arrastando forçosamente os retardatários.

Acabamos de falar do progresso físico, material,inteligente. Mas vejamos o progresso moral e a influência que deve ter sobre o primeiro.

O progresso moral despertou ao mesmo tempo que o desenvolvimento material, mas foi mais lento, porque, achando-se o homem em meio a uma criação exclusivamente material, tinha necessidades e aspirações em harmonia com o que o cercava. Avançando, sentiu o espiritual desenvolver-se e crescer em si, e,ajudado pelas influências celestes, começou a compreender a necessidade da direção inteligente do Espírito sobre a matéria; o progresso moral continuou o seu desenvolvimento e, em diferentes épocas, Espíritos adiantados vieram guiar a Humanidade e dar um maior impulso à sua marcha ascendente; tais são Moisés, os profetas, Confúcio, os sábios da antiguidade e o Cristo, o maior de todos, embora o mais humilde na Terra. O Cristo deu ao homem uma idéia maior de seu próprio valor, de sua independência e de sua personalidade espiritual. Mas sendo os seus sucessores muito inferiores a ele, não compreenderam a idéia grandiosa, que brilha em todos os seus ensinos; materializaram o que era espiritual; daí a espécie de statu quo moral, no qual a Humanidade se deteve. O progresso científico e inteligente continua a sua marcha; o progresso moral se arrasta lentamente. Não é certo que, desde o Cristo, se todos os que professaram sua doutrina a tivessem praticado, os homens se teriam poupado de muitos males e hoje estariam moralmente mais adiantados?

O Espiritismo vem acelerar o progresso, desvendando à Humanidade os seus destinos; e já vemos a sua força pelo número de adeptos e a facilidade com que é compreendido. Vai provocar uma transformação moral ativa e, pela multiplicidade das comunicações mediúnicas, o coração e o Espírito de todos os encarnados serão trabalhados pelos Espíritos amigos e instrutores. Dessa instrução vai surgir um novo impulso científico, porquanto novas vias serão abertas à Ciência, que dirigirá suas pesquisas para as novas forças da Natureza, que se revelam; as faculdades humanas que já se desenvolvem, desenvolver-se-ão ainda mais pelo trabalho mediúnico.

Acolhido inicialmente pelas almas ternas e inconsoláveis pela perda de parentes e amigos, o Espiritismo o foi em seguida pelos infelizes deste mundo, cujo número é grande, e que têm sido encorajados e sustentados em suas provações por sua doutrina, ao mesmo tempo tão suave e confortadora; propagou-se,assim, rapidamente, e muitos incrédulos admirados, que a princípio o estudaram como curiosos, foram convencidos quando, por si mesmos, nele encontraram esperanças e consolações.

Hoje os sábios começam a inquietar-se e alguns deles o estudam seriamente e o admitem como força natural até agora desconhecida; aplicando a ele sua inteligência e seus conhecimentos já adquiridos, farão a Humanidade dar um imenso passo científico.

Mas os Espíritos não se limitam à instrução científica; seu dever é duplo e eles devem, sobretudo, cultivar a vossa moral. Ao lado dos estudos da Ciência, eles vos farão, e já fazem desde agora, trabalhar o vosso próprio eu. Os encarnados inteligentes e desejosos de progredir compreenderão que sua desmaterialização é a melhor condição para o estudo progressivo, e que sua felicidade presente e futura a isto está ligada.

Observação – É assim que o mundo, depois de haver alcançado um certo grau de elevação no progresso intelectual, vai entrar no período do progresso moral, cuja rota o Espiritismo lhe abre. Esse progresso realizar-se-á pela força das coisas e levará naturalmente à transformação da Humanidade, pelo alargamento do círculo das idéias no seu sentido espiritual, e pela prática inteligente e raciocinada das leis morais, ensinadas pelo Cristo. A rapidez com que as idéias espíritas se propagam no próprio meio do materialismo, que domina a nossa época, é indício certo de uma pronta mudança na ordem das coisas. Basta para isto a extinção de uma geração, pois a que se ergue já se anuncia sob auspícios completamente diferentes.

A IMPRENSA

(Comunicação espontânea – Sociedade Espírita de Paris,19 de fevereiro de 1864 – Médium: Sr. Leymarie)

A imprensa foi inventada no século quinze. Como tantas outras invenções, conhecidas ou desconhecidas, foi preciso tomar a taça e beber o fel. Não venho a vós, espíritas, para contar meus dissabores e sofrimentos; porque naqueles tempos de ignorância e de tristeza, em que vossos pais tinham sobre o peito o pesadelo chamado feudalismo e uma teocracia cega e ciosa de seu poder, todo homem de progresso tinha cabeça demais. Quero apenas dizer-vos algumas palavras a respeito de minha invenção, de seus resultados e de sua afinidade espiritual convosco, com os elementos que fazem vossa força expansiva.

A revolução-mãe, que trazia em seus flancos o modo de expressão da Humanidade, despojando o pensamento humano do passado, de sua pele simbólica, é invenção da imprensa. Sob essa forma o pensamento mistura-se no ar, espiritualiza-se, será indestrutível. Senhora dos séculos futuros, alça seu vôo inteligente para ligar todos os pontos do espaço e, desde esse dia, domina a velha maneira de falar. Os povos primitivos necessitavam de monumentos representando um povo, montanhas de pedra dizendo aos que sabem ver: Eis minha religião, minha fé, minhas esperanças, minha poesia.

Com efeito, a imprensa substitui o hieróglifo; sua linguagem é acessível a todos, seus apetrechos são leves; é que um livro não pede senão um pouco de papel, um pouco de tinta,algumas mãos, ao passo que uma catedral exige várias vidas de um povo e toneladas de ouro.

Permiti, aqui, uma digressão. O alfabeto dos primeiros povos foi composto de pedaços de rocha, que o ferro não havia tocado. As pedras erguidas pelos Celtas também se encontram na Sibéria e na América. Eram lembranças humanas confusas, escritas em monumentos duráveis. O galgal 9 hebreu, os crombels 10, os dólmens, os túmulos, mais tarde exprimiram palavras.

Depois vieram a tradição e o símbolo. Não mais bastando esses primeiros monumentos, criaram o edifício e a arquitetura tornou-se monstruosa; fixou-se como um gigante,repetindo às gerações novas os símbolos do passado. Tais foram os pagodes, as pirâmides, o templo de Salomão.

É o edifício que encerrava o verbo, essa idéia-mãe das nações. Sua forma e sua situação representavam todo um pensamento, e é por isso que todos os símbolos têm suas grandes e magníficas páginas de pedra.

A maçonaria é a idéia escrita, inteligente, pertencente a todos os homens unidos por um símbolo, tomando Iram por patrono e constituindo essa franco-maçonaria tão conspurcada,que trouxe em si o germe da liberdade. Ela soube semear seus monumentos e os símbolos do passado no mundo inteiro,substituindo a teocracia das primeiras civilizações pela democracia, esta lei da liberdade.

Depois dos monumentos teocráticos da Índia e do Egito, vêm suas irmãs, as arquiteturas grega e romana; depois o 9 N. do T.: Grifo nosso. 10 N. do T.: Grifo nosso. estilo romano tão sombrio, representando o absoluto, a unidade, o sacerdote; as cruzadas nos trouxeram a ogiva e o senhor quer partilhar, esperando o povo que saberá tomar o seu lugar; o feudalismo vê nascer a comuna e a face da Europa muda, porque a ogiva destrona o românico; o pedreiro torna-se artista e poetisa a matéria; dá-se o privilégio da liberdade na arquitetura, porque então o pensamento só tinha esse modo de expressão. Quantas sedições escritas na fachada dos monumentos! É por isto que os poetas, os pensadores, os deserdados, tudo quanto era inteligente,cobriu a Europa de catedrais.

Como vedes, até o pobre Guttemberg, a arquitetura é a escrita universal. Por sua vez, a imprensa derruba o gótico; a teocracia é o horror do progresso, a conservação mumificada dos tipos primitivos; a ogiva é a transição da noite ao crepúsculo, em que cada um pode ler a pedra facilmente; mas a imprensa é o pleno dia, derrubando o manuscrito, exigindo um espaço mais vasto, que doravante nada poderá restringir.

Como o Sol, a imprensa fecundará o mundo com seus raios benfazejos; a arquitetura não representará mais a sociedade; será clássica e renascentista, e esse mundo de artistas, divorciados do passado, abre rudes brechas nas teogonias humanas, para seguir a rota traçada por Deus; deixa de ser simples artesão dos monumentos da renascença, para se tornar escultor, pintor, músico; a força da harmonia se consome em livros e, já no século dezesseis,é tão robusta, tão forte essa imprensa de Nuremberg, que é o advento de um século literário; é, ao mesmo tempo, Lutero, Jean Goujon, Rousseau, Voltaire; trava na velha Europa esse combate lento, mas seguro, que sabe reconstruir depois de haver destruído.

E agora que o pensamento está emancipado, qual o poder que poderia escrever o livro arquitetural de nossa época? Todos os bilhões de nosso planeta não bastariam e ninguém poderia reerguer o que está no passado e lhe pertence exclusivamente.

Sem desdenhar o grande livro da arquitetura, que é o passado e o seu ensino, agradeçamos a Deus que sabe, nas épocas propícias, pôr em nosso poder uma arma tão forte, que se torna o pão do Espírito, a emancipação do corpo, o livre-arbítrio do homem, a idéia comum a todos, a ciência, um á-bê-cê que fecunda a terra, tornando-nos melhores. Mas se a imprensa vos emancipou, a eletricidade vos fará verdadeiramente livres; é ela que destronará a imprensa de Guttemberg, para pôr em vossas mãos um poder muito mais temível, e isto em breve.

A ciência espírita, esta salvaguarda da Humanidade, vos ajudará a compreender a nova força de que vos falo. Guttemberg, a quem Deus deu uma missão providencial, sem dúvida fará parte da segunda, isto é, da que vos guiará no estudo dos fluidos.

Logo estareis prontos, caros amigos; não basta, porém,que sejais apenas espíritas fervorosos: também é preciso estudar, a fim de que tudo quanto vos foi ensinado sobre a eletricidade e os fluidos em geral seja para vós uma gramática sabida de cor. Nada é estranho à ciência dos Espíritos; quanto mais sólida a vossa bagagem intelectual, tanto menos vos surpreendereis com as novas descobertas. Devendo ser os iniciadores de novas formas de pensamento, deveis ser fortes e seguros de vossas faculdades espirituais.

Eu tinha, pois, razão de vos falar da minha missão, irmã da vossa. Sois os eleitos entre os homens. Os Espíritos bons vos dão um livro que dá a volta à Terra, mas, sem a imprensa, nada seríeis. Para vós, a obsessão que encobre a verdade aos homens desaparecerá; mas, repito, preparai-vos e estudai para serdes dignos do novo benefício e para saberdes mais inteligentemente que os outros, a fim de o espalhar e tornar aceito.

Guttemberg

Observação – Pela difusão das idéias, que tornou imperecíveis e que espalha aos quatro cantos do mundo, a imprensa produz uma revolução intelectual que ninguém pode ignorar. Porque esse resultado era entrevisto, ela foi, de início, qualificada por alguns de invenção diabólica; é uma relação a mais que ela tem com o Espiritismo, e da qual Guttemberg deixou de falar. De fato pareceria, a dar ouvidos a certa gente, que o diabo detém o monopólio das grandes idéias: todas as que tendem a fazer a Humanidade dar um passo lhe são atribuídas. Sabe-se que o próprio Jesus foi acusado de agir por intermédio do demônio que,na verdade, deve orgulhar-se de todas as boas e belas coisas que retiram de Deus para lhas atribuir. Não foi ele quem inspirou Galileu e todas as descobertas científicas que fizeram a Humanidade progredir? Conforme isto, seria preciso que ele fosse muito modesto para não se julgar o dono do Universo.

Mas o que pode parecer estranho é a sua falta de habilidade, pois não há um só progresso da Ciência que não tenha por efeito arruinar o seu império. É um ponto sobre o qual não pensaram bastante.

Se tal foi o poder desse meio de propagação inteiramente material, quão maior não será o do ensino dos Espíritos, comunicando-se em toda parte, penetrando onde o acesso aos livros está proibido, fazendo-se ouvir até pelos que não querem escutar! Que poder humano poderia resistir a tal força?

Esta notável dissertação provocou, no seio da Sociedade, as reflexões seguintes, da parte de um outro Espírito.

SOBRE A ARQUITETURA E A IMPRENSA, A PROPÓSITO DA COMUNICAÇÃO DE GUTTEMBERG

(Sociedade Espírita de Paris – Médium: Sr. A. Didier)

O Espírito Guttemberg definiu muito poeticamente os efeitos positivos e tão universalmente progressivos da imprensa e o futuro da eletricidade; entretanto, na qualidade de antigo construtor de castelos, torreões, aterros e catedrais, permito-me expor certas teorias sobre o caráter e o objetivo da arquitetura medieval.

Todos sabem, e agora ilustres professores de arqueologia hão ensinado, que a religião, a fé ingênua ergueram com o gênio do homem esses soberbos monumentos góticos,espalhados na superfície da Europa; e aqui, mais que nunca, a idéia expressa pelo Espírito Guttemberg, é cheia de elevação.

Contudo, julgamos por bem emitir a nossa opinião, não contra, mas a seu favor.

A idéia, essa luz da alma, centelha real que comunica a vontade e o movimento ao organismo humano, manifesta-se de diversas maneiras, quer pela arte, pela filosofia, etc. A arquitetura,essa arte elevada que, talvez, melhor exprima o natural e o gênio de um povo, foi consagrada, nas nações impressionáveis e crentes, ao culto de Deus e às cerimônias religiosas. A Idade Média, forte no feudalismo e na crença, teve a glória de fundar duas artes essencialmente diferentes em seu objetivo e sua consagração, mas que exprimem perfeitamente o estado de sua civilização: o castelo forte, habitado pelo senhor ou pelo rei; a abadia, o mosteiro e a igreja; numa palavra, a arte arquitetônica militar e a religiosa. Os romanos, essencialmente administradores, guerreiros, civilizadores, colonizadores universais, forçados que eram pela expansão de suas conquistas, jamais tiveram uma arquitetura inspirada por sua fé religiosa; só a avidez, o amor do ganho e do poder executivo, lhes fizeram construir esses formidáveis montes de pedra, símbolo de sua audácia e de sua capacidade intelectual. A poesia do Norte,contemplativa e nebulosa, aliada à suntuosidade da arte oriental, criou o gênero gótico, a princípio austero e pouco a pouco florido. Com efeito, vemos na arquitetura a realização das tendências religiosas e do despotismo feudal.

Essas ruínas famosas de tantas revoluções humanas,mais que o tempo, ainda se impõem por seu aspecto grandioso e formidável. Parece que o século que as viu erguer-se era duro,sombrio e inexorável, como elas; mas daí não se deve concluir que a descoberta da imprensa, à força de desenvolver o pensamento,tenha simplificado a arte da arquitetura. Não; a arte, que é uma parte da idéia, será sempre uma manifestação religiosa, política, militar, democrática ou principesca. A arte tem o seu papel, a imprensa o dela; sem ser exclusivamente especialista, não se deve confundir o objetivo de cada coisa; é preciso dizer apenas que não se devem misturar as diferentes faculdades e as diversas manifestações da idéia humana.

Robert de Luzarches

O ESPIRITISMO E A FRANCO-MAÇONARIA

(Sociedade Espírita de Paris, 25 de fevereiro de 1864)

Nota – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.

I

Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida,tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa. Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.

Guttemberg (Médium: Sr. Leymarie)

II

Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembléia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, darvos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à francomaçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda idéia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques de Molé (Médium: Srta. Béguet)

III

Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard.

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das idéias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores,melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente.

A idéia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a idéia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola,que fizeram germinar a idéia e burilar as inteligências. A idéia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à idéia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a idéia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram,contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da idéia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antigüidade e dos primeiros séculos desta era; é aí... Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz,a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não podem ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora,produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de idéias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo,que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta francomaçonaria,e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!

Vaucanson, um antigo franco-maçom.
(médium: Sr. d’Ambel)

AOS OPERÁRIOS
(Sociedade Espírita de Paris, 17 de janeiro de 1864 – Médium: Sra. Costel)

Venho a vós, meus amigos, a vós que sois os experimentados e os proletários do sofrimento. Venho saudar-vos, bravos e dignos operários, em nome da caridade e do amor. Sois os bem-amados de Jesus, do qual fui amigo. Repousai na crença espírita, como repousei no seio do enviado divino. Operários, sois os eleitos na via dolorosa da provação, onde marchais com os pés sangrentos e o coração desalentado. Irmãos, esperai! Todo sofrimento traz consigo o seu salário; toda jornada laboriosa tem sua noite de repouso. Crede no futuro, que será vossa recompensa e não busqueis o esquecimento, que é ímpio. O esquecimento, meus amigos, é a embriaguez egoísta e brutal; é a fome para vossos filhos e o pranto para vossas esposas. O esquecimento é uma covardia. Que pensaríeis de um operário que, a pretexto de leve fadiga, abandonasse a oficina e interrompesse covardemente a jornada iniciada? Meus amigos, a vida é a jornada da eternidade;
cumpri bravamente o seu labor; não sonheis com um repouso impossível; não adianteis a hora do relógio do tempo; tudo vem na hora certa: a recompensa da coragem e a bênção ao coração comovido, que se confia à eterna justiça.

Sede espíritas: tornar-vos-eis fortes e pacientes, porque aprendereis que as provas são uma segura garantia do progresso e que vos abrirão a entrada das mansões bem-aventuradas, onde bendireis os sofrimentos que vos terão aberto o seu acesso.

A vós todos, operários e amigos, minhas bênçãos. Assisto às vossas reuniões, porque sois os bem-amados daquele que foi, João, o Evangelista.

Allan Kardec
R.E. , abril de 1864, p. 159