Além-túmulo
Conversas de Além-Túmulo
FREDEGUNDA

Damos a seguir as duas evocações do Espírito Fredegunda, feitas na Sociedade, com um mês de intervalo, e que formam o complemento dos dois artigos anteriores sobre a possessão da senhorita Júlia. Embora não se manifestasse com
sinais de violência, o Espírito escrevia com grande dificuldade e fatigava extremamente o médium, que chegou a ficar indisposto e cujas faculdades pareciam, de certo modo, paralisadas. Prevendo esse resultado, tivéramos o cuidado de não confiar essa evocação a um médium muito delicado.

Em outra circunstância, interrogado a respeito do Espírito Fredegunda, outro Espírito tinha dito que há muito tempo ela procurava reencarnar-se, mas que isto não lhe havia sido permitido, porque o seu objetivo não era ainda melhorar-se, mas, ao contrário, ter mais facilidade para fazer o mal, com o auxílio de um corpo material. Tais disposições deveriam tornar sua conversão muito difícil. Entretanto, esta não o foi tanto quanto se poderia temer, graças, sem dúvida, ao concurso benevolente de todas as pessoas que nela participaram, e talvez também porque era chegado o momento em que esse Espírito deveria entrar na via do arrependimento.

(16 de outubro de 1863 – Médium: Sr. Leymarie)

1. Evocação.
Resp. – Não sou Fredegunda. Que quereis de mim?

2. Então quem sois?
Resp. – Um Espírito que sofre.

3. Visto que sofreis, deveis desejar não mais sofrer. Nós vos assistiremos, pois lamentamos todos os que sofrem neste mundo e no outro; mas é necessário que nos secundeis e, para isto, é preciso que oreis.
Resp. – Agradeço-vos, mas não posso orar.

4. Nós vamos orar; isto vos auxiliará. Tende confiança na bondade de Deus, que sempre perdoa àquele que se arrepende.
Resp. – Creio em vós. Orai, orai; talvez eu me possa converter.

5. Mas não basta que oremos; é preciso que também oreis.
Resp. – Eu quis orar e não pude; tentarei agora com o vosso auxílio.

6. Dizei conosco: Meu Deus, perdoai-me, já que pequei. Arrependo-me do mal que fiz.
Resp. – Di-lo-ei depois.

7. Isto não é suficiente; é preciso escrever.
Resp. – Meu... (Aqui o Espírito é incapaz de escrever a palavra Deus. Só depois de muito encorajamento consegue terminar a frase, de modo irregular e pouco legível.)

8. Não basta dizer isto pró-forma. É preciso pensar e tomar a resolução de não mais fazer o mal; como vereis, logo sereis aliviada.
Resp. – Vou orar.

9. Se orastes sinceramente, não vos sentis melhor?
Resp. – Oh! sim!

10. Agora, dai-nos alguns detalhes sobre a vossa vida e as causas da vossa obstinação contra Júlia.
Resp. – Mais tarde... direi... mas hoje não posso.

11. Prometeis deixar Júlia em paz? O mal que lhe fazeis cai sobre vós e aumenta o vosso sofrimento.
Resp. – Sim, mas sou impelida por outros Espíritos piores do que eu.

12. É uma má desculpa, que dais para vos escusardes. Em todo o caso, deveis ter uma vontade e com a vontade sempre se pode resistir às más sugestões.
Resp. – Se eu tivesse tido vontade, não sofreria. Sou punida porque não soube resistir.

13. No entanto, mostrastes bastante vontade para atormentar Júlia. Como acabais de tomar boas resoluções, nós vos exortamos a nelas persistir e pedimos aos Espíritos bons que vos secundem.

Observação – Durante esta evocação, outro médium recebeu de seu guia espiritual uma comunicação, contendo, entre outras coisas, o seguinte: “Não vos inquieteis com as recusas que notais nas respostas deste Espírito: sua idéia fixa de reencarnar faz que repila toda solidariedade com o passado, embora não suporte muito os seus efeitos. É ela mesma a que foi indicada, mas não quer concordar consigo mesma.”

(13 de novembro de 1863)

14. Evocação.
Resp. – Estou pronta para responder.

15. Persististes na boa resolução em que estáveis da última vez?
Resp. – Sim.

16. Como vos achais?
Resp. – Muito bem, pois orei, estou mais calma e muito mais feliz.

17. Com efeito, sabemos que Júlia não foi mais atormentada. Já que podeis vos comunicar mais facilmente, quereis dizer por que vos obstináveis tanto contra ela?
Resp. – Há séculos eu não era lembrada e desejava que a maldição que cobre meu nome cessasse um pouco, a fim de que uma prece, uma única, viesse consolar-me. Oro, creio em Deus; agora posso pronunciar seu nome e, por certo, é mais do que eu poderia esperar do benefício que me concedeis.

Observação – No intervalo da primeira à segunda evocação, o Espírito era chamado todos os dias por aquele de nossos colegas encarregado de o instruir. Um fato positivo é que, a partir desse momento, a senhorita Júlia deixou de ser atormentada.

18. É bastante duvidoso que o só desejo de obter uma prece tenha sido o móvel que vos levava a atormentar aquela moça; sem dúvida buscais ainda um paliativo para os vossos erros. Em todo o caso, não era um bom meio de atrair a compaixão dos homens.
Resp. – Contudo, se eu não tivesse atormentado Júlia,não teríeis pensado em mim e eu não teria saído do miserável estado em que languescia. Disso resultou uma instrução para vós e um grande bem para mim, pois me abristes os olhos.

19. [Ao guia do médium]. Foi mesmo Fredegunda que deu esta resposta?
Resp. – Sim, foi ela, um pouco auxiliada, é verdade,porque se humilhou. Mas este Espírito é muito mais adiantado em inteligência do que pensais; falta-lhe o progresso moral, cujos primeiros passos lhe ajudais a dar. Ela não vos disse que Júlia tirará grande proveito do que se passou para o seu avanço pessoal.

20. [A Fredegunda]. A senhorita Júlia vivia em vosso tempo? poderíeis dizer quem era ela?
Resp. – Sim. Era uma de minhas damas de companhia,chamada Hildegarda; uma alma sofredora e resignada, que fazia minha vontade. Sofreu o castigo de seus serviços muito humildes e muito complacentes a meu respeito.

21. Desejais uma nova encarnação?
Resp. – Sim, desejo. Ó meu Deus! sofri mil torturas e,se mereci uma pena muito justa, ah! é tempo para que eu possa, com o auxílio de vossas preces, recomeçar uma existência melhor,a fim de me lavar das minhas antigas sujeiras. Deus é justo. Orai por mim. Até hoje eu tinha desconhecido toda a extensão de minha pena; tinha o olhar velado e como que uma vertigem. Mas agora vejo, compreendo, desejo o perdão do Senhor e o das minhas vítimas. Meu Deus, como é suave o perdão!

22. Dizei-nos algo de Brunehaut.
Resp. – Brunehaut!... Este nome me dá vertigem... Foi o grande erro de minha vida e senti o meu velho ódio despertar ao ouvir o seu nome!... Mas Deus me perdoará e doravante poderei escrever esse nome sem tremer. Mais feliz que eu, ela está reencarnada pela segunda vez, desempenhando um papel que desejo: o de irmã de caridade.

23. Estamos felizes com a vossa mudança; nós vos encorajaremos e sustentaremos com nossas preces.
Resp. – Obrigada! obrigada! Espíritos bons, Deus vos pagará por isto.

Observação – Um fato característico dos Espíritos maus é a impossibilidade em que muitas vezes se acham de pronunciar ou escrever o nome de Deus. Isto denota uma natureza má, sem dúvida, mas, ao mesmo tempo, um misto de medo e de respeito, que não sentem os Espíritos hipócritas, aparentemente menos maus. Estes últimos, longe de recuarem ante o nome de Deus, dele se servem afrontosamente para captar a confiança. São infinitamente mais perversos e mais perigosos que os Espíritos francamente maus. É nesta classe que são encontrados a maioria dos Espíritos fascinadores, dos quais é muito mais difícil desembaraçar-se do que dos outros, porque é do Espírito mesmo que eles se apossam,auxiliados por um falso semblante de saber, de virtude ou de religião, ao passo que os outros só se apossam do corpo. Um Espírito que, como o de Fredegunda, recua ante o nome de Deus, está muito mais próximo de sua conversão do que os que se cobrem com a máscara do bem. Dá-se o mesmo entre os homens, onde encontrais estas duas categorias de Espíritos encarnados.
R.E. , janeiro de 1864, p. 34