Inspiração
Notas Bibliográficas
O ESPIRITISMO RACIONAL

Pelo Sr. G.-H. Love, engenheiro32

Este trabalho notável e consciencioso é obra de um distinto cientista, que se propôs tirar da própria Ciência e da observação dos fatos a demonstração da realidade das idéias espiritualistas. É uma peça adicional em apoio da tese que sustentamos acima. Mais ainda, porque é um primeiro passo, quase oficial, da Ciência, na via espírita; aliás, logo será seguido, e disto temos certeza, por outras adesões ainda mais retumbantes, que levarão os negadores e os adversários de todas as escolas a refletirem seriamente. Bastará citar o trecho seguinte para mostrar em que espírito é a obra concebida. Acha-se à página 331.

“Vê-se – e é indubitavelmente um sinal dos tempos – a seita espiritista, que já tive ocasião de mencionar, no § 15, tomar uma rápida expansão entre pessoas de todas as classes e das mais esclarecidas, sem contar o lamentável e saudoso Jobard, de Bruxelas, que se havia tornado um dos mais atentos campeões da nova doutrina.

“É fato que, examinando esta doutrina, seja mesmo na pequena brochura do Sr. Allan Kardec, O que é o Espiritismo? impossível é não notar o quanto é clara sua moral, homogênea,conseqüente consigo mesma, quanta satisfação dá ao espírito e ao coração. Ainda que lhe tirassem a realidade das comunicações com 32 Um volume in-12. 3 fr. 50 c., livraria Didier. o mundo invisível, restar-lhe-ia sempre isto, e é muito, é o bastante para provocar numerosas adesões e explicar seu sucesso sempre crescente. Quanto às comunicações com o mundo invisível, creio ter demonstrado cientificamente que não só eram possíveis, mas deveriam ocorrer todos os dias durante o sono. A inspiração em vigília, cuja autenticidade ou natureza, de acordo com o que eu disse, é impossível pôr em dúvida, é, aliás, uma comunicação deste gênero, embora possa haver casos em que não seja senão o resultado de um maior grau de atividade do Espírito. Agora, que se constata que a comunicação se traduz por noções estranhas ao médium que as recebe, nada vejo aí que não seja eminentemente provável; em todo o caso, é uma questão que pode ser resolvida na ausência dos sábios, que cada médium, que tem a medida de seus conhecimentos no estado normal, e as pessoas de sua família e de seu convívio podem julgar melhor que ninguém, de tal sorte que se o Espiritismo todos os dias faz prosélitos fora da questão moral, é que aparentemente produz bastante médiuns para fornecer a prova de seu estado particular a quem quer que os deseje examinar sem idéias preconcebidas.

“A moral, tal qual a compreendo e a deduzi de noções científicas – não temo reconhecê-lo – tem numerosos pontos de contato com aquela transmitida pelos médiuns do Sr. Allan Kardec; também não estou longe de admitir que se nas páginas por eles escritas muitas há que não ultrapassam o alcance ordinário do espírito humano, inclusive o deles, deve havê-las, e as há, de um alcance tal que lhes seria impossível escrever outras idênticas nos seus momentos ordinários. Tudo isto não me leva menos a desejar que uma doutrina, que não oferece o menor perigo, mas, ao contrário, eleva o espírito e o coração tanto quanto é possível desejá-lo, no interesse da sociedade, se expanda diariamente cada vez mais. Porque, segundo o que tenho lido, calculo que é impossível ser espírita sem ser homem de bem e bom cidadão. Conheço poucas religiões das quais se possa dizer o mesmo.”

SERMÕES SOBRE O ESPIRITISMO

Pregados na catedral de Metz nos dias 27, 28 e 29 de maio de 1863,pelo reverendo padre Letierce, da Companhia de Jesus, refutados por um espírita de Metz e precedidos de considerações sobre a loucura espírita33

É sempre uma satisfação ver adeptos sérios entrarem na liça quando, à lógica da argumentação, aliam calma e moderação, da qual nunca nos devemos afastar, mesmo contra os que não usam os mesmos processos a nosso respeito. Cumprimentamos o autor deste opúsculo por ter sabido reunir essas duas qualidades em seu interessante e muito consciencioso trabalho que, não temos dúvida, será acolhido com a atenção que merece. A carta posta no início da brochura é um testemunho de simpatia que não poderíamos reconhecer melhor do que a transcrevendo textualmente, pois é uma prova da maneira pela qual ele compreende a doutrina, bem como os pensamentos seguintes, que toma por epígrafe:

“Cremos que haja fatos que não sejam visíveis ao olho, nem tangíveis à mão; que nem o microscópio, nem o escalpelo podem alcançar, por mais perfeitos que se os suponham; que igualmente escapem ao gosto, ao olfato e ao ouvido e que, no entanto, são susceptíveis de ser constatados com absoluta certeza (Ch. Jouffroy, prefácio dos Esquisses de philosophie morale, pág. 5).

“Não creiais em qualquer Espírito; experimentai se os Espíritos vêm de Deus.” (Evangelho).

“Senhor e caro mestre,

“Dignai-vos aceitar a dedicatória desta modesta defesa em favor do Espiritismo, deste grito de indignação contra os ataques dirigidos contra nossa sublime moral? Seria para mim o mais seguro testemunho de que estas páginas são ditadas por este espírito de moderação que diariamente admiramos em vossos escritos e que nos deveria guiar em todas as nossas lutas. Aceitai-a 33 Brochura in-18. – Preço: 1 fr.; pelo Correio, 1 fr. 10 c.; Paris: Didier & Cia, Ledoyen; – Metz: Linden, Verronnais, livreiros. como singelo ensaio de um dos vossos recentes adeptos, como profissão de fé de um verdadeiro crente. Se meus esforços forem felizes, atribuirei o seu sucesso ao vosso elevado patrocínio; se minha voz incompetente não encontrar eco, ao Espiritismo não faltarão outros defensores e terei para mim, com a satisfação da consciência, a felicidade de ter sido aprovado pelo apóstolo imortal de nossa filosofia.”

Extraímos da brochura a passagem seguinte, de um dos sermões do reverendo padre Letierce, a fim de dar uma idéia da força de sua lógica.

“Nada há de chocante para a razão em admitir, num certo limite, a comunicação dos Espíritos dos mortos com os vivos; tal comunicação é perfeitamente compatível com a natureza da alma humana, encontrando-se numerosos exemplos no Evangelho e na Vida dos santos; mas eram santos, eram apóstolos. Para nós, pobres pecadores que, nos precipícios deslizantes da corrupção, não precisaríamos senão de uma mão socorrista para nos reconduzir ao bem, não é um sacrilégio, um insulto à justiça divina ir pedir aos Espíritos bons, que Deus espalhou à nossa volta,conselhos e preceitos para a nossa instrução moral e filosófica? Não é uma audácia ímpia pedir ao Criador que nos envie anjos de guarda para que nos lembrem incessantemente a observação de suas leis, a caridade, o amor aos nossos semelhantes e nos ensinar o que devemos fazer, na medida de nossas forças, para chegar o mais rapidamente possível a esse grau de perfeição que eles próprios atingiram?

“Esse apelo que fazemos às almas dos justos, em nome da bondade de Deus, só é ouvido pelas almas dos maus, em nome das potências infernais. Sim, os Espíritos se comunicam conosco,mas são os Espíritos dos condenados; suas comunicações e seus preceitos, é verdade, são semelhantes aos que nos poderiam ditar os mais puros anjos; todos os seus discursos respiram as mais sublimes virtudes, das quais as menores devem ser para nós um ideal de perfeição, que mal podemos atingir nesta vida. Mas é apenas uma armadilha para melhor nos atrair, um mel cobrindo o veneno com o qual o demônio quer matar nossa alma.

“Com efeito, as almas dos mortos, segundo Allan Kardec, são de três classes: as que chegaram ao estado de Espíritos puros, as que estão no caminho da perfeição e as almas dos maus. Por sua natureza, as primeiras não podem vir ao nosso apelo; seu estado de pureza torna impossível qualquer comunicação com as almas dos homens, encerradas em tão grosseiro envoltório; aliás,que viriam fazer na Terra? pregar exortações que não poderíamos compreender? As segundas têm muito a trabalhar para o seu aperfeiçoamento moral para perder tempo vindo conversar conosco; ainda não são as que nos assistem em nossas reuniões. O que é, então, que nos resta? Eu o disse, as almas dos condenados, e estas não precisam ser rogadas para vir; sempre dispostas a aproveitar o nosso erro e a nossa necessidade de instrução, dirigem-se em massa junto a nós, para com elas nos arrastar ao abismo onde as mergulhou a justa punição de Deus.”
Allan Kardec
R.E. , outubro de 1863, p. 434