Presciência
Dissertações Espíritas
É PERMITIDO EVOCAR OS MORTOS, JÁ QUE MOISÉS O PROIBIU?

(Bordeaux – Médium: Sra. Collignon)

Nota – Esta comunicação foi dada num grupo espírita de Bordeaux, em resposta à pergunta acima. Antes de a conhecer, tínhamos feito o artigo precedente, sobre o mesmo assunto. A despeito disto, nós a publicamos, precisamente por causa da concordância das idéias. Muitas outras, em diversos lugares, foram obtidas no mesmo sentido, o que prova a concordância dos Espíritos a este respeito. Esta objeção cairá por si mesma, visto não ser mais sustentável do que as demais que se opõem às relações com os Espíritos.

Será o homem tão perfeito que julgue inútil medir suas forças? e sua inteligência tão desenvolvida que possa suportar toda a luz?

Quando Moisés trouxe aos hebreus uma lei que os pudesse tirar do estado de escravidão em que viviam e neles reavivar a lembrança de Deus, que haviam esquecido, viu-se obrigado a lhes graduar a luz de acordo com a sua vista, e a ciência conforme sua capacidade de entendimento.

Por que também não perguntais: Por que Jesus se permitiu refazer a lei? Por que disse: “Moisés vos disse: Olho por olho, dente por dente; eu, porém, vos digo: Fazei o bem aos que vós querem mal; bendizei os que vos amaldiçoam, perdoai os que vos perseguem?”

Por que disse Jesus: “Moisés disse: Aquele que quiser deixar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: Não separeis o que Deus uniu?”

Por quê? É que Jesus falava a Espíritos mais adiantados do que na encarnação em que se encontravam ao tempo de Moisés. É que é preciso adaptar a lição à inteligência do aluno. É que vós,que perguntais, que duvidais, ainda não chegastes ao ponto em que deveis estar e ainda não sabeis o que sereis um dia.

Por quê? Então perguntai a Deus por que criou a erva do campo, da qual o homem civilizado da Terra chegou a fazer seu alimento? por que fez árvores que só deveriam crescer em certos climas, em certas latitudes e que o homem conseguiu aclimatar por toda parte?

Moisés disse aos hebreus: “Não evoqueis os mortos!” como se diz às crianças: “Não toqueis no fogo!”

Não foi a evocação entre os egípcios, os caldeus, os moabitas e todos os povos da antiguidade que, pouco a pouco, tinha degenerado em idolatria? Eles não tiveram força de suportar a ciência e se queimaram; mas quis o Senhor preservar alguns homens, a fim de que pudessem servir e perpetuar seu nome e sua fé.

Os homens eram pervertidos e predispostos às evocações perigosos. Moisés preveniu o mal. O progresso deveria ser feito entre os Espíritos, como entre os homens; mas a evocação ficou conhecida e praticada pelos príncipes da Igreja. A vaidade e o orgulho são tão velhos quanto a Humanidade; assim, os chefes da sinagoga usavam a evocação e, muitas vezes, a usavam mal; por isso, muitas vezes se abateu sobre eles a cólera do Senhor.

Eis por que disse Moisés: “Não evocai os mortos.” Mas a própria proibição provava que a evocação era usual entre o povo e era ao povo que ele a proibia.

Deixai, pois, falar, os que perguntam por quê? Abri-lhes a história do globo, que cobrem com seus passos miúdos, e perguntai-lhes por que, depois de tantos séculos acumulados,patinam tanto e avançam tão pouco? É que sua inteligência não está bastante desenvolvida; é que a rotina os constringe; é que querem fechar os olhos, apesar dos esforços feitos para lhos abrir.

Perguntai-lhes por que Deus é Deus? Por que o Sol os ilumina?

Que estudem, que busquem, e na história da antiguidade verão por que Deus quis que tal conhecimento em parte desaparecesse, a fim de renascer com mais brilho, na época em que os Espíritos encarregados de o trazer tivessem mais força e não falhassem sob o seu peso.

Não vos inquieteis, meus amigos, com perguntas ociosas e objeções sem motivo que vos fazem. Fazei sempre o que acabais de fazer: perguntai e responderemos com prazer. A ciência é de quem a busca e surge para se mostrar a quem a procura. A luz ilumina os que abrem os olhos, mas as trevas se condensam para os que os querem fechar. Não é aos que perguntam que se deve recusar, mas aos que fazem objeções com o único objetivo de extinguir a luz ou porque não ousam encará-la. Coragem, meus amigos, estamos prontos para vos responder todas as vezes que isto se tornar necessário.

Simeão, por Mathieu

OS FALSOS DEVOTOS

(Reunião particular, 10 de março de 1863 – Médium: Sra. Costel)

Minha lembrança acaba de ser evocada por meu retrato e meus versos. Duas vezes tocada em minha vaidade feminina e em meu amor-próprio, venho agradecer a vossa benevolência,esboçando em largos traços a silhueta dos falsos devotos, que são para a religião o que é para a sociedade a mulher pseudo-honesta. O assunto entra no âmbito de meus estudos literários, do qual Lady Tartufe exprimia uma nuança.

Os falsos devotos se consagram às aparências e traem a verdade; têm o coração seco e os olhos úmidos, a bolsa fechada e a mão aberta; falam de bom grado ao próximo, criticando-lhe as ações de maneira afetada, isto é, exagerando o mal e subestimando o mérito. Muito voltados à conquista dos bens materiais ou mundanos, agarram-se a tesouros imaginários, que a morte dispersa, e negligenciam os verdadeiros bens, que servem ao fim do homem e são a riqueza da eternidade. Os hipócritas da devoção são os répteis da natureza moral; vis, baixos, evitam as faltas castigadas pela vindita pública e na sombra cometem atos sinistros. Quantas famílias desunidas, espoliadas! quantas confianças traídas! quantas lágrimas e, mesmo, quanto sangue!...

A comédia é o inverso da tragédia. Atrás do celerado marcha o bufão, e os falsos devotos têm por acólitos seres ineptos, que só agem por imitação: à maneira dos espelhos, refletem a fisionomia de seus vizinhos. Tomam-se a sério, enganam-se a si próprios, a timidez os faz zombar daquilo em que não acreditam,exaltam o que duvidam, comungam com ostentação e acendem às escondidas pequenas velas, às quais atribuem muito mais virtude do que à santa hóstia.

Os falsos devotos são os verdadeiros ateus da virtude,da esperança, da Natureza e de Deus; negam o verdadeiro e afirmam o falso. A morte, todavia, os levará lambuzados de cosméticos e cobertos de ouropéis, que os disfarçam, e os lançará
ofegantes em plena luz.

Delphine de Girardin

LONGEVIDADE DOS PATRIARCAS

(Sociedade Espírita de Paris, 11 de julho de 1862 – Médium: Sr. A. Didier)

Que vos importa a idade dos patriarcas em geral, e a de Matusalém em particular? A Natureza, sabei-o bem, jamais teve contra-senso e irregularidades; e se a máquina humana algumas vezes variou, jamais rechaçou por tanto tempo a destruição material: a morte. Como já vos disse, a Bíblia é um magnífico poema oriental, onde as paixões humanas são divinizadas, como as paixões que os gregos idealizavam, a exemplo das grandes colônias da Ásia Menor. Não há razão para associar concisão com a ênfase, clareza com difusão, a frieza do raciocínio e da lógica moderna com a exaltação oriental. Os querubins da Bíblia tinham seis asas, como o sabeis: quase monstros! O Deus dos judeus banhava-se em sangue; sabeis e quereis que os vossos anjos sejam os mesmos anjos e que o vosso Deus, soberanamente justo e bom, seja o mesmo Deus? Não alieis, pois, vossa análise poética moderna com a poesia mentirosa dos antigos judeus ou pagãos. A idade dos patriarcas é uma figura moral, e não uma realidade; a autoridade, a lembrança desses grandes nomes, desses verdadeiros pastores de povos,enriquecidos de mistérios e de lendas que faziam irradiar em torno deles, existiam entre esses nômades supersticiosos e idólatras das lembranças. É provável que Matusalém tenha vivido muito tempo no coração de seus descendentes. Notai que na poesia oriental toda idéia moral é incorporada, encarnada, revestida de uma forma brilhante, radiante, esplêndida, contrariamente à poesia moderna,que desencarna, que rompe o envoltório para deixar escapar a idéia até o céu. A poesia moderna não só é expressa pelo brilho e pela cor da imagem, mas, também, pelo desenho firme e correto da lógica, numa palavra, pela idéia. Como quereis associar esses dois grandes princípios tão contrários? Quando lerdes a Bíblia sob as luzes do Oriente, em meio às imagens douradas, aos horizontes intermináveis e difusos dos desertos, das estepes, fazei correr a eletricidade que atravessa todos os abismos, todas as trevas, isto é,servi-vos da vossa razão e julgai sempre a diferença do tempo, das formas e das compreensões.

Lamennais

A VOZ DE DEUS
(Sociedade Espírita de Paris, 11 de julho de 1862 – Médium: Sr. Flammarion)

Ouvistes o ruído confuso do mar, retumbando quando o vento norte infla as ondas e elas se quebram, rugindo suas lâminas de prata sobre a praia? Ouvistes o fragor sonoro do raio nas nuvens sombrias ou o murmúrio da floresta ao sopro do vento
do entardecer? Ouvistes nos recônditos da alma essa múltipla harmonia, que não fala aos sentidos senão para os atravessar e chegar até o ser pensante e amante? Se, pois, nem ouvistes nem compreendestes estas mudas palavras, não sois filhos da revelação e ainda não credes. A esses direi: “Saí da cidade nessa hora silenciosa, em que os raios estrelados descem do céu e, colhendo em vós mesmos os pensamentos íntimos, contemplai o espetáculo que vos cerca e chegareis antes da aurora a partilhar a fé dos vossos irmãos.” Aos que já crêem na grande voz da Natureza, direi: “Filhos da nova aliança, é a voz do Criador e do conservador dos seres que fala no tumulto das ondas, no ribombar do trovão; é a
voz de Deus que fala no sopro dos ventos. Amigos, escutai ainda, escutai algumas vezes, escutai muito tempo, escutai sempre, e o Senhor vos receberá de braços abertos.” Ó vós, que já ouvistes a sua potente voz aqui na Terra, vós a compreendereis melhor no outro mundo.

Galileu

O LIVRE-ARBÍTRIO E A PRESCIÊNCIA DIVINA

(Thionville, 5 de janeiro de 1863 – Médium: Dr. R...)

Há uma grande lei que domina todo o Universo: a lei do Progresso. É em virtude dessa lei que o homem, criatura essencialmente imperfeita, deve, como tudo quanto existe em nosso globo, percorrer todas as fases que o separam da perfeição. Sem dúvida Deus sabe quanto tempo cada um levará para chegar ao fim; mas como todo progresso deve resultar de esforço tentado para o realizar, não haveria nenhum mérito se o homem não tivesse a liberdade de tomar este ou aquele caminho. Com efeito, o verdadeiro mérito não pode resultar senão de um trabalho operado pelo Espírito para vencer uma resistência mais ou menos considerável.

Como cada um ignora o número de existências consagradas ao seu adiantamento moral, ninguém pode prejulgar nesta grande questão, e é aí, sobretudo, que brilha de maneira admirável a infinita bondade de nosso Pai celeste que, nada obstante o livre-arbítrio que nos conferiu, semeou em nosso caminho postes indicadores que iluminam os desvios. É, pois, por um resquício de predominância de matéria que muitos homens se obstinam em ficar surdos às advertências que lhes chegam de todos os lados, preferindo gastar em prazeres enganadores e efêmeros uma vida que lhes fora concedida para o progresso de seu Espírito.

Não se poderia afirmar, sem blasfêmia, que Deus tenha querido a infelicidade de suas criaturas, já que os infelizes expiam sempre, tanto numa vida anterior mal empregada, quanto por sua recusa em seguir o bom caminho, quando este lhe era claramente indicado.

Assim, depende de cada um abreviar a prova que deve sofrer. Para isto, guias seguros, bastante numerosos, lhe são concedidos, para que seja inteiramente responsável por sua recusa de seguir seus conselhos; e ainda neste caso, existe um meio certo de abrandar uma punição merecida, dando sinais de sincero arrependimento e recorrendo à prece, que jamais deixa de ser atendida, quando feita com fervor. O livre-arbítrio, pois, existe realmente no homem, mas com um guia: a consciência.

Vós todos que tendes acesso ao grande foco da nova ciência, não negligencieis de vos penetrar das eloqüentes verdades que ela vos revela, e dos admiráveis princípios que são a sua conseqüência; segui-os fielmente: é aí, sobretudo, que refulge o vosso livre-arbítrio.

Pensai, por um lado, nas conseqüências fatais que arrastareis para vós ao vos recusardes a seguir o bom caminho, bem como nas magníficas recompensas que vos aguardam, caso obedeçais às instruções dos Espíritos bons; é aí que luzirá, por sua vez, a presciência divina.

Os homens se esforçam inutilmente em buscar a verdade por todos os meios que julgam ter na Ciência; esta verdade que lhes parece escapar caminha sempre ao seu lado e os cegos não a percebem! Espíritos sábios de todos os países, aos quais é dado levantar a ponta do véu, não negligencieis os meios que vos são oferecidos pela Providência! Provocai nossas manifestações; fazei que delas se aproveitem sobretudo vossos irmãos menos favorecidos que vós; inculcai em todos os preceitos que vos chegam do mundo espiritual, e tereis bem merecido, porque havereis contribuído em larga escala para a realização dos desígnios da Providência.

Espírito familiar

O PANTEÍSMO

(Sociedade Espírita de Paris – Médium: Sra. Costel)

O panteísmo, ou a encarnação do Espírito na matéria,da idéia na forma, é o primeiro passo do paganismo para a lei do amor, que foi revelada e pregada por Jesus. A Antiguidade, ávida de prazeres, enamorada da beleza exterior, quase não olhava além do que via; sensual, ardente, ignorava as melancolias que nascem da dúvida inquieta e das ternuras recalcadas; temia os deuses, cuja imagem suavizada colocava nos lares de suas residências; a escravidão e a guerra a roíam por dentro e a esgotavam por fora; em vão a Natureza sonora e magnífica convidava os homens a lhe compreender o esplendor; temiam-na ou a adoravam, como aos deuses. Os bosques sagrados participavam do terror dos oráculos,e nenhum mortal separava os benefícios de sua solidão das idéias religiosas que faziam palpitar a árvore e fremir a pedra.

O panteísmo tem duas faces, sob as quais convém estudá-lo. Primeiro, a separação infinita da natureza divina, fragmentada em todas as partes da Criação e se encontrando nos mais ínfimos detalhes, assim como na sua magnificência, isto é, uma confusão flagrante entre a obra e o obreiro. Em segundo lugar,a assimilação da Humanidade ou, antes, sua absorção na matéria. O panteísmo antigo encarnava as divindades; o moderno panteísmo assimila o homem ao reino animal e faz surgirem as moléculas criadoras da ardente fornalha onde se elabora a vegetação,confundindo, assim, os resultados com o princípio.

Deus é a ordem, que a confusão humana não poderia perturbar. Tudo vem a propósito: a seiva às árvores e o pensamento aos cérebros; nenhuma idéia, filha do tempo, é abandonada ao acaso; ela tem sua fileira, um estreito parentesco que lhe dá a razão de ser, a liga ao passado e a exorta ao futuro. A história das crenças religiosas é a prova dessa verdade absoluta; nenhuma idolatria, nenhum sistema, nenhum fanatismo que não tenha tido sua poderosa e imperiosa razão de existir; todos avançavam para a luz, todos convergiam para o mesmo objetivo e todos virão confundirse,como as águas dos rios longínquos, no vasto e profundo mar da unidade espírita.

Assim o panteísmo, precursor do catolicismo, trazia em si o germe da universalidade de Deus; inspirava aos homens a fraternidade para com a Natureza, essa fraternidade que Jesus lhes devia ensinar a praticar uns para com os outros; fraternidade sagrada, consolidada hoje pelo Espiritismo, que vitoriosamente estabelece comunicação entre os seres terrestres e o mundo espiritual.

Em verdade vos digo: a lei de amor expõe lentamente,e de maneira contínua, suas aspirais infinitas; é ela que, nos ritos misteriosos das religiões indianas, diviniza o animal, sagrando-o por sua fraqueza e por seus humildes serviços; é ela que povoava de deuses familiares os lares purificados; é ela que, em cada uma das crenças diversas, faz com que as gerações soletrem uma palavra do alfabeto divino. Mas somente a Jesus estava reservado proclamar a idéia universal que as resume todas. O salvador anunciou o amor e o tornou mais forte que a morte. Ele disse aos homens: “Amai-vos uns aos outros; amai-vos na dor, na alegria, no opróbrio; amai a Natureza, vossa primeira iniciadora; amai os animais, vossos humildes companheiros; amai o que começa, amai o que acaba.” O Verbo do Eterno chama-se amor e abarca, numa inextinguível ternura, a Terra onde passais e os céus onde entrareis, purificados e triunfantes.

Lázaro
R.E. , outubro de 1863, p. 424