Mistificação
Questões e Problemas
MISTIFICAÇÕES
Uma carta de Locarno contém a seguinte passagem:
“...Para mim a dúvida seria impossível, pois tenho uma filha, que é excelente médium, e meu próprio filho escreve. Mas, ah! ele recebeu tão cruéis mistificações, que seu desânimo me contagiou um pouco, sem, contudo, abalar nossa crença tão pura e consoladora, não obstante os pesares que experimentamos quando nos vemos enganados por respostas decepcionantes. Por que, então, permite Deus que os bem-intencionados sejam assim enganados por aqueles que os deveriam esclarecer?...”

Resposta – O mundo corpóreo, retornando ao mundo espírita pela morte, e o mundo espírita, fazendo o caminho inverso pela reencarnação, resulta que a população normal do espaço que circunda a Terra é composta de Espíritos provenientes da Humanidade terrestre. Sendo esta Humanidade uma das mais imperfeitas, não pode dar senão produtos imperfeitos, razão por que à sua volta pululam os Espíritos maus. Pela mesma razão, nos mundos mais adiantados, onde o bem reina sem limite, só há Espíritos bons. Admitindo isto, compreender-se-á que a intromissão, tão freqüente, dos Espíritos maus nas relações mediúnicas é inerente à inferioridade do nosso globo; aqui se corre o risco de ser vítima dos Espíritos enganadores, como num país de ladrões o de ser roubado. Não se poderia perguntar, também, por que permite Deus que pessoas honestas sejam despojadas por larápios, vítimas da malevolência e alvo de toda sorte de misérias? Perguntai antes por que estais na Terra, e vos será respondido que é porque não merecestes um lugar melhor, salvo os Espíritos que aqui estão em missão. É preciso, pois, sofrer-lhe as conseqüências e envidar esforços para dela sair o mais cedo possível. Enquanto isto, é necessário esforçar-se por se preservar das investidas dos Espíritos maus, o que só se consegue lhes fechando todas as brechas que lhes poderiam dar acesso em nossa alma, a eles se impondo pela superioridade moral, a coragem, a perseverança e uma fé inabalável na proteção de Deus e dos Espíritos bons, no futuro que é tudo, ao passo que o presente nada é. Mas como ninguém é perfeito na Terra, ninguém se pode vangloriar, sem orgulho, de estar ao abrigo de suas malícias de maneira absoluta. Sem dúvida a pureza de intenções é importante; é a rota que conduz à perfeição, mas não é a perfeição e, ainda, pode haver, no fundo da alma, algum velho fermento. Eis por que não há um só médium que não tenha sido mais ou menos enganado.

A simples razão nos diz que os Espíritos bons não podem fazer senão o bem, pois, do contrário, não seriam bons, e que o mal só pode vir dos Espíritos imperfeitos. Portanto, as mistificações só podem provir de Espíritos levianos ou mentirosos, que abusam da credulidade e, muitas vezes, exploram o orgulho, a vaidade ou outras paixões. Tais mistificações têm o objetivo de pôr à prova a perseverança, a firmeza na fé e exercitar o julgamento. Se os Espíritos bons as permitem em certas ocasiões, não é por impotência de sua parte, mas para nos deixar o mérito da luta. A experiência que se adquire à sua custa sendo mais proveitosa, se a coragem diminuir, é uma prova de fraqueza que nos deixa à mercê dos Espíritos maus. Os Espíritos bons velam por nós, assistem-nos e nos ajudam, mas sob a condição de nos ajudarmos a nós mesmos. O homem está na Terra para a luta; precisa vencer para dela sair,senão fica nela.

INFINITO E INDEFINIDO

Escrevem-nos de São Petersburgo em 1o de julho de 1863:

“...Em O Livro dos Espíritos, livro I, capítulo I, no 2, notei esta proposição Tudo o que é desconhecido é infinito. Parece-me que muitas coisas nos são desconhecidas sem que, por isto, sejaminfinitas. Como esse termo se encontra em todas as edições, pedi a explicação ao meu guia, que me respondeu ‘A palavra infinito aqui é um erro; o certo é indefinido.’ Que pensar disto?...”

Resposta – Estes dois termos, embora sinônimos no sentido geral, têm cada um uma acepção especial. A Academia assim os define:

Indefinido, cujo fim, ou limites não são ou não podem ser determinados. Tempo indefinido. Número indefinido. Linha indefinida. Espaço indefinido.

Infinito, que não tem começo nem fim, que é sem marcos e sem limites. O espaço é infinito. Deus é infinito. A misericórdia de Deus é infinita. Por extensão, diz-se daquilo que não se pode fixar limites, o termo e, por exagero, tanto no sentido físico quanto no moral, de tudo que é muito considerável em seu gênero. Diz-se particularmente para inumerável. Uma duração infinita. A beatitude infinita dos eleitos. Astros situados a uma distância infinita. Eu vos agradeço infinitamente. Uma infinita variedade de objetos. Penas infinitas. Há um número infinito de autores que escreveram sobre este assunto.

Daí resulta que a palavra indefinido tem um sentido mais particular e a palavra infinito tem um sentido mais geral; que o primeiro se diz de preferência a propósito das coisas materiais, e o segundo de coisas abstratas; é mais vago que o outro. O sentido mais geral da palavra infinito permite aplicá-lo em certos casos ao que não é senão indefinido, ao passo que o inverso não poderia ocorrer. Diz-se igualmente: uma duração infinita e uma duração indefinida; mas não se poderia dizer: Deus é indefinido, sua misericórdia é indefinida.

Sob este ponto de vista, o emprego da palavra infinito na frase supracitada não é abusivo e não constitui erro. Dizemos, além disso, que a palavra indefinido não expressaria a mesma idéia. Desde que uma coisa seja desconhecida, tem para o pensamento a incerteza do infinito, se não absoluto, ao menos relativo. Por exemplo, não sabeis o que vos acontecerá amanhã: vosso pensamento erra no infinito; os acontecimentos é que são indefinidos; não sabeis quantas estrelas há: é um número indefinido, mas é também o infinito para a imaginação. No caso em tela, convinha, pois, empregar o termo que generaliza o pensamento, de preferência ao que lhe daria um sentido restritivo.
R.E. , agosto de 1863, p. 339