Trabalho
Dissertações Espíritas
O ESPIRITISMO E O ESPÍRITO MALIGNO

(Grupo de Sainte-Gemme – Médium: Sr. C...)

De todos os trabalhos a que se entrega a Humanidade os preferíveis são os que mais aproximam a criatura de seu Criador,que a põem diariamente e a cada instante em condições de admirar a obra divina, que saiu e sai incessantemente de suas mãos onipotentes. É dever do homem prosternar-se e adorar continuamente Aquele que lhe deu os meios de se melhorar como Espírito e alcançar, assim, a felicidade suprema, que é o objetivo final para o qual deve tender.

Se há profissões que, quase exclusivamente intelectuais,dão ao homem os meios de elevar o seu nível de inteligência, um perigo, um grande perigo se acha ao lado dessa vantagem. Prova a história de todos os tempos em que consiste esse perigo e quantos males pode engendrar. Sois dotados de uma inteligência superior: a tal respeito estais mais próximos da Divindade que os vossos irmãos e chegais a negar a própria Divindade, ou dela fazer uma outra, inteiramente contrária do que é em realidade! Nunca seria demais repetir, nem jamais se cansar de dizer: o orgulho é o mais obstinado inimigo do gênero humano. Tivésseis mil bocas e todas deveriam repetir a mesma coisa incessantemente.

Deus vos criou a todos simples e ignorantes47; tratai de avançar em passo tão seguro quanto possível. Isto depende de vós: jamais Deus recusa graça a quem lha pede de boa-fé. Todos os estados podem igualmente vos conduzir à meta desejada, se vos conduzirdes conforme o caminho da justiça e se não dobrardes a consciência à vontade dos vossos caprichos. No entanto há estados nos quais é mais difícil progredir que em outros; assim, Deus levará em conta aqueles que, tendo aceitado como prova uma posição ambígua, tiverem percorrido sem reagir esse caminho perigoso ou,pelo menos, tiverem feito todos os esforços humanamente possíveis para se reerguerem.

É aí que se torna necessária uma fé sincera, uma força pouco comum para resistir aos arrastamentos para fora do caminho da justiça. Mas é aí, também, que se pode fazer um bem 47 Esta proposição, a respeito do estado primitivo das almas, formulada pela primeira vez em O Livro dos Espíritos, é hoje repetida por toda parte nas comunicações; encontra, assim, a sua consagração simultaneamente nessa concordância e na lógica, porquanto nenhum outro princípio responderia melhor à justiça de Deus. Dando a todos os homens um mesmo ponto de partida, deu a todos a mesma tarefa a desempenhar para atingir o fim. Ninguém é privilegiado pela Natureza; como, porém, têm o livre-arbítrio, uns avançam mais depressa e outros mais lentamente. Tal princípio de justiça é inconciliável com a doutrina que admite a criação da alma ao mesmo tempo que o corpo, admitindo em si mesmo a pluralidade das existências, porque, se a alma é anterior ao corpo, é que ela já viveu.imenso aos irmãos infelizes. Ah! quanto mérito tem aquele que resvala no lamaçal, sem que nem suas vestes, nem ele próprio, se maculem! É preciso que uma chama muito pura brilhe em si. Mas, também, que recompensa não lhe é reservada ao deixar a vida terrestre!48

Que aqueles que se acham em semelhante posição meditem bem estas palavras; que bem se impregnem do espírito que elas encerram e neles se operará uma revolução salutar, que substituirá as opressões do egoísmo pelas suaves expansões do coração.

Quem transformará esses homens, como diz o Evangelho, em homens novos?

O que é necessário para realizar esse grande milagre? É preciso que eles queiram reportar seu pensamento àquilo a que estão destinados depois da morte. Estão todos convencidos de que o amanhã poderá não existir para eles; mas, assustados pelo quadro sombrio e desolador das penas eternas, nas quais, por intuição, se recusam acreditar, abandonam-se ao caudal da vida presente; deixam-se arrastar por essa cupidez febril, que os leva a juntar sempre, por todos os meios permitidos ou não; arruínam sem piedade um pobre pai de família e prodigalizam ao vício somas que bastariam para uma cidade inteira viver durante vários dias. Desviam os olhos do momento fatal. Ah! se pudessem encará-lo firmemente e com sangue-frio, como mudariam depressa de conduta! como os veríamos apressados em devolver ao legítimo proprietário o pedaço de pão negro, que tiveram a crueldade de roubar para, ao preço de uma injustiça, aumentarem uma fortuna 48 Admiram-se de que Espíritos possam escolher uma encarnação num desses meios onde se acham em contato incessante com a corrupção. Entre os que se encontram nessas posições ínfimas da sociedade, uns as escolheram por gosto e para darem satisfação a seus pendores ignóbeis; outros, por missão e dever, a fim de tentarem tirar da lama os seus irmãos e para terem mais mérito para lutar contra os arrastamentos perniciosos. Sua recompensa será proporcional às dificuldades vencidas. Tal é, entre nós, o operário que é pago em razão do perigo a que se expõe no exercício da profissão. feita de injustiças acumuladas! O que é preciso para isto? Que brilhe a luz espírita. É preciso se possa dizer, como um general dizia de uma grande nação: O Espiritismo é como o Sol: cego quem não o vê! Os homens que se dizem e se julgam cristãos, mas repelem o Espiritismo, são bem cegos!

Qual a missão da doutrina, que a mão onipotente do Criador semeia atualmente no mundo? É a de conduzir os incrédulos à fé, os desesperados à esperança, os egoístas à caridade. Eles se dizem cristãos e lançam anátema à doutrina de Jesus-Cristo! É verdade que pretendem seja o Espírito maligno que, para melhor se disfarçar,vem pregar tal doutrina neste mundo. Infelizes cegos! pobres doentes! Que Deus, em sua bondade inesgotável, se digne fazer cessar a vossa cegueira e pôr um termo aos males que vos obsidiam!

Quem vos disse que era o Espírito do mal? Quem? Nada sabeis disto. Pedistes a Deus que vos esclarecesse a respeito? Não; ou se o fizestes, tínheis uma idéia preconcebida. O Espírito do mal! Sabeis quem vos disse que era o Espírito do mal? Foi o orgulho, foi o próprio Espírito do mal que vos leva a condenar – coisa revoltante! – o Espírito de Deus, representado pelos Espíritos bons que Ele envia ao mundo para o regenerar!

Ao menos examinai a coisa e, conforme as regras estabelecidas, condenai ou absolvei. Ah! se ao menos quisésseis lançar um golpe de vista sobre os resultados inevitáveis que o triunfo do Espiritismo deve produzir! Se quisésseis ver os homens finalmente se considerando como irmãos, convencidos todos de que, de um momento para outro, Deus lhes pedirá contas da maneira pela qual desempenharam a missão que lhes havia sido confiada! Se quisésseis ver em toda parte a caridade tomando o lugar do egoísmo e o trabalho tomando o lugar da preguiça! Porque, bem o sabeis, o homem nasceu para o trabalho: Deus o transformou numa obrigação, à qual não pode subtrair-se sem transgredir as leis divinas. Se quisésseis ver de um lado esses infelizes que dizem: Danados neste mundo, danados no outro, sejamos criminosos e gozemos; e do outro, esses homens endurecidos, esses açambarcadores da fortuna de todos, que dizem: A alma é uma palavra; Deus não existe; se nada resta de nós depois da morte, gozemos a vida; o mundo se compõe de exploradores e explorados; prefiro fazer parte dos primeiros a estar com os segundos; depois de mim, o dilúvio! Se lançásseis o olhar sobre esses dois homens que personificam a pilhagem, a pilhagem bem-educada e que conduz às galés; se os vísseis transformados pela crença na imortalidade, que lhes dá o Espiritismo, ousaríeis dizer que é pelo Espírito do mal?

Vejo o desdém em vossos lábios e vos ouço dizer: Nós é que pregamos a imortalidade e temos crédito por isto. Terão sempre mais confiança em nós do que nesses vãos sonhadores que,se não são trapaceiros, sonharam que os mortos saíam do túmulo para se comunicarem com eles. A isto sempre a mesma resposta: Examinai e, se convencidos de boa-fé, o que não faltará se fordes sinceros, ao invés de maldizer, bendireis o que deve estar muito mais nas vossas atribuições, conforme a lei de Deus.

A lei de Deus! em vossa opinião sois os únicos depositários e vos surpreendeis que outros tomem uma iniciativa que, conforme pensais, vos pertence com exclusividade. Pois bem! escutai o que os Espíritos enviados por Deus estão encarregados de vos dizer:

“Vós que levais a sério o vosso ministério, sereis abençoados, porquanto tereis realizado todas as obras, não só prescritas, mas aconselhadas pelo divino Mestre. E vós que considerastes o sacerdócio como meio para ascender materialmente não sereis malditos, embora tenhais amaldiçoado os outros; Deus,porém, vos reserva uma punição mais justa.

“Dia virá em que sereis obrigados a vos explicardes publicamente sobre os fenômenos espíritas, e esse dia não está longe. Então vos encontrareis na necessidade de julgar, porque vos constituístes em tribunal. Julgar a quem? O próprio Deus, pois nada acontece sem a sua permissão.

“Vedes onde vos conduziu o Espírito do mal, isto é, o orgulho! Em vez de vos inclinardes e orar, obstinai-vos contra a vontade do único que tem o direito de dizer: Eu quero. E dizeis que é o demônio quem o diz.

“E agora, se persistirdes em não crer senão nas manifestações dos Espíritos maus, recordai-vos das palavras do Mestre, acusado de expulsar os demônios em nome de Belzebu: Todo reino dividido contra si mesmo perecerá.”49

Hippolyte Fortoul

O CORVO E A RAPOSA 50

(Sociedade Espírita de Paris, 8 de agosto de 1862 – Médium: Sr. Leymarie)

Desconfiai dos bajuladores: é a raça mentirosa; são encarnações de duas caras, que riem para vos enganar. Infeliz de quem neles acredita e escuta, porquanto neles as noções do verdadeiro logo se pervertem. E, contudo, quanta gente se deixa levar por esse engodo mentiroso da bajulação! Ouvem satisfeitos o velhaco que alimenta as suas fraquezas, enquanto repelem o amigo sincero que lhes diz a verdade e lhes dá bons conselhos; atraem o falso amigo e afastam o verdadeiro e desinteressado. Para os agradar é preciso adular, aprovar tudo, tudo aplaudir e achar tudo bem, mesmo o absurdo. E – coisa estranha! – repelem conselhos sensatos e acreditam na mentira do primeiro que vier, desde que tal mentira favoreça suas idéias. Que quereis? Querem ser enganados e o são. Muitas vezes só vêem as conseqüências tarde demais; mas,então, o mal já está feito e não tem remédio.

49 N. do T.: Mateus, 12:25.
50 Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 529.

De onde vem isto? A causa dessa imperfeição é, quase sempre, múltipla. A primeira, incontestavelmente, é o orgulho que os cega quanto à infalibilidade de seu próprio mérito, que julgam superior ao dos demais; tomam-no, assim, sem dificuldade, como modelo do senso comum. A segunda decorre de uma falta de senso, que lhes não permite vejam o lado bom ou ruim das coisas; mas, ainda aqui, é o orgulho que oblitera o julgamento, porque, sem orgulho, desconfiariam de si mesmos, confiando-se aos que têm mais experiência. Acreditai, ainda, que os Espíritos maus nem sempre estão alheios ao caso: adoram mistificar, armar ciladas; e quem nelas melhor poderão cair que os orgulhosos, que são lisonjeados? O orgulho, para eles, é a falta de couraça de uns e a cupidez de outros, de que sabem tirar partido com habilidade, mas não se guardam de dirigir-se aos que são mais fortes que eles, moralmente falando. Quereis subtrair-vos à influência dos Espíritos maus? Subi, subi tão alto em virtudes que eles não vos possam atingir e, então, sereis temidos por eles. Mas se vos deixardes arrastar pela ponta da corda, eles a agarrarão para vos forçar a descida; chamar-vos-ão com voz melíflua, elogiar-vos-ão e,como o corvo, farão com que deixeis o queijo cair.

Sonnet

ESTILO DAS BOAS COMUNICAÇÕES

(Sociedade Espírita de Paris, 8 de agosto de 1862 – Médium: Sr. Leymarie)

Buscai na palavra a sobriedade e a concisão: poucas palavras, muitas coisas. A linguagem é como a harmonia: quanto mais erudita quisermos torná-la, menos melodiosa. A verdadeira ciência é sempre aquela que impressiona; não alguns sibaritas entediados, mas a massa inteligente que, desde muito tempo, é desviada do caminho do belo verdadeiro, que é o da simplicidade. A exemplo de seu Mestre, os discípulos do Cristo haviam adquirido esse profundo saber de bem-dizer, sobriamente, e seu falar, como o de Jesus, era marcado por essa graça delicada, essa profundeza que, em nossos dias, numa época em que tudo mente ao nosso redor, ainda fazem as grandes vozes do Cristo e dos apóstolos modelos inimitáveis de concisão e de precisão.

Mas a verdade desceu do alto; os Espíritos superiores,como os apóstolos dos primeiros dias da era cristã, vêm ensinar e dirigir. O Livro dos Espíritos é toda uma revolução, porque é conciso e sóbrio: poucas palavras, muitas coisas; nada de flores de retórica, nada de imagens, mas apenas pensamentos elevados e fortes, que consolam e fortalecem. Por isso agrada, e agrada porque é facilmente compreendido: aí está a marca da superioridade dos Espíritos que o ditaram.

Por que há tantas comunicações oriundas de Espíritos que se dizem superiores, repletas de insensatez, de frases empoladas e floreadas? uma página para nada dizer? Ficai certos de que não são Espíritos superiores, mas pseudo-sábios, que julgam produzir efeito, substituindo por palavras o vazio das idéias, a profundeza do pensamento pela obscuridade. Não podem seduzir senão os cérebros vazios como os seus, que tomam bijuterias por ouro legítimo e julgam a beleza de uma mulher pelo brilho de seus adereços.

Desconfiai, pois, dos Espíritos verbosos, de linguagem empolada e confusa, muito difícil para ser compreendida. Reconhecereis a verdadeira superioridade pelo estilo conciso, claro e inteligível, sem esforço de imaginação. Não avalieis a importância das comunicações por sua extensão, mas pela soma de idéias que encerram num pequeno volume. Para ter o tipo da superioridade real, contai as palavras e as idéias – refiro-me às idéias justas, sadias e lógicas – a comparação vos dará a exata medida.

Barbaret (Espírito familiar)

A RAZÃO E O SOBRENATURAL

(Sociedade Espírita de Paris – Médium: Sr. A. Didier)

O homem é limitado em sua inteligência e em suas sensações. Não podendo compreender além de certos limites, pronuncia, então, a palavra sacramental, que põe fim a tudo: Sobrenatural.

Na ciência nova que estudais, o vocábulo sobrenatural é palavra convencional: existe para nada exprimir. Efetivamente, o que significa? Fora da Natureza; além do que é conhecido. Nada mais insensato; nada mais absurdo do que aplicá-la a tudo que está fora de nós. Para o homem que raciocina a palavra sobrenatural não é definitiva; é vaga e faz pressentir. Conhece-se a frase banal do incrédulo por ignorância: “É sobrenatural. Ora, a razão, etc., etc.” O que é a razão? Ah! quando a Natureza, alargando-se e agindo como soberana, nos mostra tesouros desconhecidos, a razão, nesse sentido, se torna irracional e absurda, pois persiste, malgrado os fatos. Ora, se há um fato, é que a Natureza o permite. Certamente a Natureza tem, para nós, algumas manifestações sublimes, mas muito restritas, se entrarmos no domínio do desconhecido. Ah! quereis explorar a Natureza; quereis conhecer a causa das coisas,causa rerum, e julgais desnecessário pôr de lado vossa razão banal? Mas estais brincando, senhores. O que é a razão humana, senão a maneira de pensar do vosso mundo? Correis de planeta a planeta e pensais que a razão vos deve acompanhar? Não, senhores; a única razão que deveis ter em meio a todos esses fenômenos é o sanguefrio e a observação quanto a esse ponto de vista, e não do ponto de vista da incredulidade.

Ultimamente temos abordado questões muito graves,como vos lembrais. Mas, no bojo do que dizíamos, não concluímos que todo o mal vem dos homens. Depois de muitas lutas, de muitas discussões chegam também os bons pensamentos, uma nova fé e esperanças novas. Como vos disse há pouco, o Espiritismo é a luz que deve iluminar, doravante, toda inteligência dedicada ao progresso. A prece será o único dogma e a prática exclusiva do Espiritismo, isto é, a harmonia e a simplicidade. A arte será nova, porque secundada pelas idéias novas. Pensai que toda obra inspirada por uma idéia filosófico-religiosa é sempre manifestação poderosa e sã; o Cristo será sempre a Humanidade, mas não a Humanidade sofredora: será a Humanidade triunfante.

Lamennais

Allan Kardec
R.E. , outubro de 1862, p. 428