Virtudes irmãs
Ensinos e Dissertações Espíritas
A FÉ, A ESPERANÇA E A CARIDADE
(Bordeaux. Médium: Sra. Cazemajoux)
A FÉ
Sou a irmã mais velha da Esperança e da Caridade; chamo-me Fé.
Sou grande e forte. Aquele que me possui não teme nem o ferro, nem o fogo: é à prova de todos os sofrimentos físicos e morais. Irradio sobre vós com um facho cujos jatos cintilantes se refletem no fundo de vossos corações e vos comunico a força da vida. Dizem, entre vós, que transporto montanhas; eu, porém, vos digo: Venho erguer o mundo, porquanto o Espiritismo é a alavanca que me deve auxiliar. Uni-vos a mim; venho convidar-vos: sou a Fé.

Sou a Fé! Moro com a Esperança, a Caridade e o Amor no mundo dos Espíritos Puros. Muitas vezes deixei as regiões sublimadas e vim à Terra para vos regenerar, dando-vos a vida do Espírito. Mas, excetuando os mártires dos primeiros tempos do Cristianismo e, de vez em quando, alguns fervorosos sacrifícios ao progresso da ciência, das letras, da indústria e da liberdade, só encontrei entre os homens indiferença e frieza, retomando tristemente o meu vôo para o céu. Julgais-me em vosso meio, mas vos enganais, porque a Fé sem obras é um simulacro de Fé. A verdadeira Fé é vida e ação.

Antes da revelação espírita a vida era estéril; era uma árvore que, ressequida pelos raios, não produzia nenhum fruto. Reconhecem-me por meus atos: ilumino as inteligências, aqueço e fortaleço os corações; afasto para longe de vós as influências enganosas e vos conduzo a Deus pela perfeição do espírito e do coração. Vinde abrigar-vos sob a minha bandeira; sou poderosa e forte: eu sou a Fé.

Sou a Fé e o meu reino começa entre os homens; reino pacífico, que os tornará felizes no presente e na eternidade. A aurora do meu advento entre vós é pura e serena; seu sol será resplandecente e seu crepúsculo virá docemente embalar a Humanidade nos braços de eternas felicidades. Espiritismo! derrama sobre os homens o teu batismo regenerador. Eu lhes faço um apelo supremo: eu sou a Fé.

Georges,

Bispo de Périgueux

A ESPERANÇA

Meu nome é esperança. Sorrio à vossa entrada na vida; sigo-vos passo a passo e não vos deixo senão nos mundos onde para vós se realizam as promessas de felicidade, incessantemente murmuradas aos vossos ouvidos. Sou vossa fiel amiga; não repilais minhas inspirações: eu sou a Esperança.

Sou eu que canto pela voz do rouxinol e que faço ecoar nas florestas essas notas lamentosas e cadenciadas que vos fazem sonhar com o céu; sou eu que inspiro à andorinha o desejo de aquecer os seus amores no abrigo de vossas moradas; brinco na brisa ligeira que acaricia os vossos cabelos; espalho aos vossos pés o suave perfume das flores dos vossos jardins, e quão pouco pensais nessa amiga que vos é tão devotada! Não a repilais: é a Esperança.

Tomo todas as formas para me aproximar de vós. Sou a estrela que brilha no azul; o cálido raio de sol que vos vivifica; embalo as vossas noites com sonhos alegres; expulso para longe as negras preocupações e os pensamentos sombrios; guio os vossos passos para a senda da virtude; acompanho-vos nas visitas aos pobres, aos aflitos, aos moribundos e vos inspiro palavras afetuosas, que consolam. Não me repilais: eu sou a Esperança!

Eu sou a esperança! Sou eu que, no inverno, faço crescer na casca dos carvalhos o musgo espesso com que os passarinhos constroem seus ninhos; sou eu que, na primavera,corôo a macieira e a amendoeira de flores brancas e rosas e as espalho sobre a terra como uma juncada celeste, que faz aspirar aos mundos felizes; sobretudo estou convosco quando sois pobres e sofredores; minha voz ressoa incessantemente aos vossos ouvidos.

Não me repilais: eu sou a Esperança. Não me repilais, porque o anjo do desespero me faz uma guerra obstinada e se consome em vãos esforços para tomar o meu lugar junto de vós. Nem sempre sou a mais forte e,quando ele consegue me afastar, vos envolve com as suas fúnebres asas, desvia os vossos pensamentos de Deus e vos arrasta ao suicídio. Uni-vos a mim para afastar sua funesta influência e vos deixai embalar docemente em meus braços,porque eu sou a Esperança.

Felícia,

Filha do médium

A CARIDADE

Eu sou a Caridade. Em nada me assemelho à caridade cujas práticas seguis. Aquela que entre vós usurpou o meu nome é fantasista, caprichosa, exclusiva, orgulhosa; venho vos prevenir contra os defeitos que, aos olhos de Deus, diminuem o mérito e o brilho de suas boas ações. Sede dóceis às lições que o Espírito de Verdade vos dá por minha voz. Segui-me, meus fiéis: eu sou a Caridade.

Segui-me. Conheço todos os infortúnios, todas as dores, todos os sofrimentos, todas as aflições que assediam a Humanidade. Sou a mãe dos órfãos, a filha dos idosos, a protetora e sustentáculo das viúvas; penso as chagas infectadas; curo todas as doenças; dou roupas, pão e um abrigo aos que não os têm; subo às mais miseráveis águas-furtadas, às mais humildes mansardas; bato à porta dos ricos e poderosos, porque, onde quer que viva uma criatura humana, sempre existirá, sob a máscara da felicidade, as mais amargas e acerbas dores. Oh! quão grande é a minha tarefa! Não poderei cumpri-la se não vierdes em meu auxílio. Vinde a mim: eu sou a Caridade.

Não tenho preferência por ninguém. Jamais digo aos que necessitam de mim: “Tenho os meus pobres; procurai alhures.” Oh! falsa caridade, quantos males provocas! Amigos,nós nos devemos a todos. Crede-me: não recuseis vossa assistência a ninguém; socorrei-vos uns aos outros com bastante desinteresse para não exigir nenhum reconhecimento de parte dos que tiverdes socorrido. A paz do coração e da consciência é a doce recompensa de minhas obras: eu sou a verdadeira Caridade.

Ninguém conhece na Terra o número e a natureza de meus benefícios. Só a falsa caridade fere e humilha aqueles a quem alivia. Acautelai-vos contra esse funesto desvio; as ações desse gênero não têm nenhum mérito perante Deus e atraem sobre vós a sua cólera. Só Ele deve saber e conhecer os generosos impulsos de vossos corações quando vos tornais os dispensadores de seus benefícios. Guardai-vos, pois, amigos, de dar publicidade à prática da assistência mútua; não mais lhe deis o nome de esmola. Crede em mim: eu sou a Caridade.

Tenho tantos infortúnios a aliviar que muitas vezes fico com o colo e as mãos vazios; venho dizer-vos que espero em vós. O Espiritismo tem por divisa Amor e Caridade; e todos os verdadeiros espíritas quererão, no futuro, conformar-se a esse sublime preceito pregado pelo Cristo há dezoito séculos. Segui-me,pois, irmãos; eu vos conduzirei ao reino de Deus, nosso pai. Eu sou a Caridade.

Adolfo,

Bispo de Argel

INSTRUÇÕES DADAS POR NOSSOS GUIAS A RESPEITO DAS TRÊS COMUNICAÇÕES ACIMA

Meus caros amigos, deveis ter imaginado que um de nós havia dado os ensinamentos sobre a fé, a esperança e a caridade, e tivestes razão.

Felizes por ver Espíritos tão elevados vos dar, com tanta freqüência, conselhos que vos devem guiar em vossos trabalhos espirituais, não menos doce e pura é a nossa alegria,quando vimos ajudar a tarefa do vosso apostolado espírita.

Podeis, pois, atribuir ao Espírito Georges a comunicação sobre a Fé; a da Esperança a Felícia: aí encontrareis o estilo poético que tinha durante sua vida; e a da Caridade a Dupuch, bispo de Argel, que na Terra foi um de seus fervorosos apóstolos. Ainda teremos de tratar da caridade sob outro ponto de vista. Fá-lo-emos dentro de alguns dias.

Vossos Guias

ESQUECIMENTO DAS INJÚRIAS

(Sociedade Espírita de Paris – Médium: Sra. Costel)

Minha filha, o esquecimento das injúrias é a perfeição da alma, como o perdão das feridas feitas à verdade é a perfeição do Espírito. A Jesus foi mais fácil perdoar os ultrajes de sua Paixão do que o último de vós perdoar uma leve zombaria. A grande alma do Salvador, habituada à doçura, não concebia amargura nem vingança; as nossas, atingidas por coisas insignificantes, esquecem o que é grande. Diariamente os homens imploram o perdão de Deus, que desce sobre eles como orvalho benfazejo; mas seus corações esquecem essa palavra sem cessar repetida na prece. Em verdade vos digo: o fel interior corrompe a alma; é a pedra volumosa que a fixa ao solo e retarda a sua elevação. Quando fordes repreendidos, entrai em vós mesmos; examinai vosso pecado interior, aquele que o mundo ignora; medi a sua profundidade e curai a vossa vaidade pelo conhecimento de vossa miséria. Se, mais grave, a ofensa atingir o coração, lamentai o infeliz que a cometeu, como lamentais o ferido cuja chaga, aberta, deixa escorrer o sangue; a piedade é devida àquele que aniquila seu ser futuro. No Jardim das Oliveiras Jesus conheceu a dor humana, mas sempre ignorou as amarguras do orgulho e a pequenez da vaidade; foi encarnado para mostrar aos homens o protótipo da beleza moral que lhes devia servir de modelo: não vos afasteis jamais. Modelai as vossas almas como a cera mole e fazei que a vossa argila transformada se torne um mármore imperecível, em que Deus, o grande escultor, possa inscrever o seu nome.

Lázaro

SOBRE OS INSTINTOS

(Sociedade Espírita de Paris – Médium: Sra. Costel)

Ensinar-te-ei o verdadeiro conhecimento do bem e do mal, que o espírito confunde com tanta freqüência. O mal é a revolta dos instintos contra a consciência, esse tato interior e delicado, que é o tato moral. Quais os limites que o separam do bem, que ele contorna por toda parte? O mal não é complexo: é uno e emana do ser primitivo, que quer a satisfação do instinto à custa do dever. O instinto, primitivamente destinado a desenvolver no homem animal o cuidado de sua conservação e de seu bem-estar, é a única origem do mal, porque, persistindo mais violento e mais severo em certas naturezas, ele as impele a se apoderarem do que desejam ou a concentrar o que possuem. O instinto, a que os animais obedecem cegamente, e que é a sua própria virtude, deve ser incessantemente combatido pelo homem que quer elevar-se e substituir o grosseiro utensílio da necessidade pelas armas finamente buriladas da inteligência. Entretanto, haverás de convir que nem sempre o instinto é mau,devendo-lhe a Humanidade, não raras vezes, sublimes inspirações, como na maternidade e em certos atos de abnegação, nos quais substitui a reflexão com presteza e segurança. Minha filha, tua objeção é precisamente a causa do erro em que caem os homens, prontos a desconhecerem a verdade, sempre absoluta nas suas conseqüências. Sejam quais forem os resultados de uma causa má, os exemplos jamais devem levar a concluir contra as premissas estabelecidas pela razão. O instinto é mau porque é puramente humano e a Humanidade não deve pensar senão em se despojar, em deixar a carne para elevar-se ao Espírito. E se o mal caminha ao lado do bem, é que o seu princípio muitas vezes tem resultados opostos a si mesmo, e que o fazem desconhecer o homem leviano e arrastado pela sensação. Nada de verdadeiramente bom pode emanar do instinto: um impulso sublime não é devotamento, assim como uma inspiração isolada não é gênio. O verdadeiro progresso da Humanidade é sua luta e seu triunfo contra a essência mesma de seu ser. Jesus foi enviado à Terra para o provar humanamente. Pôs a descoberto a verdade,bela fonte escondida na areia da ignorância. Não perturbeis mais a limpidez da linfa divina pelos compostos do erro. E, crede, os homens que não são bons e devotados senão instintivamente, o são mal, porque sofrem uma cega dominação que, de repente,pode precipitá-los no abismo.

Lázaro

Observação – Apesar do nosso respeito pelo Espírito Lázaro, que nos tem brindado com tantas e tão belas dissertações, permitimo-nos discordar de sua opinião no que concerne às últimas proposições. Pode-se dizer que há dois tipos de instinto: o instinto animal e o instinto moral. O primeiro, como diz muito bem Lázaro, é orgânico; é dado aos seres vivos para a sua conservação, bem como a de sua progênie; é cego e quase inconsciente, porque a Providência quis dar um contrapeso à sua indiferença e à sua negligência. Já não é assim com o instinto moral, que é privilégio do homem e que pode ser assim definido: Propensão inata para fazer o bem ou o mal. Ora, essa propensão se prende ao estado de maior ou menor avanço do Espírito. O homem, cujo Espírito já é depurado, faz o bem sem premeditação e como algo muito natural; daí por que se admira de ser louvado. Assim, não é justo dizer que “os homens que não são bons e devotados senão instintivamente, o são mal, porque sofrem uma cega dominação que, de repente,pode precipitá-los no abismo.” Os que instintivamente são bons e devotados denotam um progresso realizado; nos que o são intencionalmente, o progresso está por se realizar, razão por que há trabalho e luta entre os dois sentimentos. No primeiro, a dificuldade está vencida; no segundo, é preciso vencê-la. O
primeiro é como o homem que sabe ler, e lê sem dificuldade, quase sem perceber; o segundo é como o que soletra. Porque um chegou mais tarde, terá menos mérito que o outro?
R.E. , fevereiro de 1862, p. 87