Salgues
A Reencarnação na América
Muitas vezes as pessoas se admiram de que a doutrina da reencarnação não tenha sido ensinada na América, e os incrédulos não deixam de aproveitar o fato para acusarem os Espíritos de contradição. Não repetiremos aqui as explicações que nos foram dadas e que publicamos a respeito, limitando-nos a lembrar que nisto os Espíritos mostraram a sua prudência habitual; quiseram que o Espiritismo surgisse num país de liberdade absoluta, quanto à emissão de opiniões. O ponto essencial era a adoção do princípio e para isto não quiseram ser incomodados de maneira alguma. O mesmo não haveria de dar-se com todas as suas conseqüências, sobretudo com a reencarnação, que se teria chocado contra os preconceitos da escravidão e da cor. A idéia de que um negro pudesse tornar-se um branco; de que um branco poderia ter sido um negro; de que um senhor tivesse sido um escravo poderia parecer de tal forma monstruosa que seria suficiente para que o resto fosse rejeitado. Assim, os Espíritos preferiram sacrificar momentaneamente o acessório ao principal e sempre nos disseram que, mais tarde, a unidade se faria sobre este como sobre todos os outros pontos. De fato, é o que começa a ocorrer. Várias pessoas daquele país nos disseram que agora essa doutrina conta ali numerosos partidários; que certos Espíritos,depois de fazer com que fosse pressentida, vêm confirmá-la. Eis o que a respeito nos escreveu de Montreal (Canadá), o Sr. Fleury Lacroix, natural dos Estados Unidos.

“(...) A questão da reencarnação, da qual fostes o primeiro promotor visível, aqui nos tomou de surpresa. Hoje, porém, estamos reconciliados com ela, com esse filho do vosso pensamento. Tudo se tornou compreensível por esta nova claridade e agora a estrada eterna se nos descortina um pouco mais longe. Entretanto, isto nos parecia absurdo, como dizíamos no começo; mas se hoje negamos, amanhã acreditamos – eis a Humanidade. Felizes os que querem saber, porque a luz se fará para eles; infelizes os outros, porquanto permanecerão nas trevas.”

Assim, foi a lógica e a força do raciocínio que os levou a essa doutrina; e, também, porque nela encontraram a única chave que poderia resolver problemas até então insolúveis. Todavia, o nosso honrado correspondente equivoca-se quanto a um fato importante, ao atribuir-nos a iniciativa desta doutrina, que chama de filho do nosso pensamento. É uma honra que não nos pertence: além de ser ensinada a nós, a reencarnação foi ensinada pelos Espíritos a outros indivíduos, antes da publicação de O Livro dos Espíritos. Além disso, seu princípio foi claramente exposto em várias obras anteriores, não apenas nas nossas e até nas que surgiram antes do aparecimento das mesas girantes; entre outras em Céu e Terra, de Jean Raynaud, e num encantador livrinho do Sr. Louis Jourdan, intitulado Preces de Ludovico, publicado em 1849,sem contar que esse dogma era professado pelos druidas, aos quais, por certo, nós não ensinamos11. Quando ele nos foi revelado ficamos surpresos e o acolhemos com reserva e desconfiança; chegamos mesmo a combatê-lo durante algum tempo, até que sua evidência nos fosse demonstrada. Assim, nós o aceitamos e não o inventamos, o que é bem diferente.

Isto responde à objeção de um de nossos assinantes, o Sr. Salgues (de Angers), antagonista confesso da reencarnação, o qual pretende que os Espíritos e os médiuns que a ensinam sofrem a nossa influência, pois aqueles que com ele se comunicam dizem o contrário. Aliás, o Sr. Salgues alega contra a reencarnação objeções especiais, das quais faremos, oportunamente, objeto de exame particular. Enquanto esperamos, constatamos um fato: o número de seus partidários cresce sem cessar, enquanto o dos adversários diminui. Se tal resultado se deve à nossa influência,atribuem-nos uma muito grande, visto que ela se estende da 11 Vide a Revista Espírita de abril de 1858, O Espiritismo entre os druidas; artigo que contém as Tríades. Europa à América, da Ásia à África e até à Oceania. Se a opinião contrária é a verdadeira, como se explica que não tenha prevalecido? Seria o erro, então, mais poderoso que a verdade?
R.E. , fevereiro de 1862, p. 78