Escande
Apreciação da História do Maravilhoso
DO SR. LOUIS FIGUIER, PELO SR. ESCANDE,

Redator da Mode Nouvelle
Nos artigos que publicamos sobre esta obra procuramos nos ater principalmente ao ponto de partida do autor, o que não nos foi difícil, pois citando as suas próprias palavras provamos que ele se baseia em idéias materialistas. Sendo falsa a base, pelo menos do ponto de vista da imensa maioria dos homens,as conseqüências que dela tirou contra os fatos que qualifica de maravilhosos, são, por isso mesmo, eivadas de erro. Isto não impediu que alguns de seus colegas da imprensa exaltassem o mérito, a profundidade e a sagacidade da obra. Contudo, nem todos são dessa opinião. A respeito, encontramos na Mode Nouvelle17 jornal mais sério que o seu título, um artigo tão notável pelo estilo quanto pela justeza das apreciações. Sua extensão não nos permite citá-lo por inteiro; aliás, o autor promete outros, porque neste não se ocupa muito senão do primeiro volume. Nossos leitores nos serão gratos por lhes darmos alguns fragmentos.

I

“Este livro tem grandes pretensões, embora não justifique nenhuma. Queria passar por erudito: afeta ciência e ostenta um aparente luxo de pesquisas, mas sua erudição é superficial, sua ciência incompleta e suas pesquisas prematuras e mal digeridas. O Sr. Louis Figuier deu-se à especialidade de recolher, um a um, os mil pequenos fatos que brotam, dia a dia, em torno das academias, como essas longas carreiras de cogumelos que nascem da noite para o dia sobre as camadas criptogamíferas, organizando livros que fazem concorrência à Cozinha Burguesa e aos tratados do Bom Homem Ricardo. Habituado a esse trabalho de composições fáceis – inferior ao trabalho de compilação desse bom Abade Trublet, do qual Voltaire zombou espirituosamente – e que forçosamente lhe deixa lazeres, disse a si mesmo que não seria mais difícil explorar a paixão do sobrenatural que, mais do que nunca excita as imaginações, do que utilizar os palavrórios quase sempre ociosos da segunda classe do Instituto. Habituado a redigir revistas científicas, repisando o que é dos outros, com os resumos de relatórios que por sua vez resume, com as teses e memórias que
analisa; hábil em transformar mais tarde em volumes esses resumos de resumos, põe-se à obra. E, fiel ao seu passado, compulsou às pressas todos os tratados sobre a matéria, que lhe caíram à mão,esmigalhou-os, depois tornou a amassar essas migalhas à sua 17 Escritório, Rua Sainte-Anne, 63; no de 22 de fevereiro de 1861. Preço por no, 1 fr. maneira, com elas compondo um livro, depois do que – não duvidamos – tenha exclamado com Horácio: Exegi monumentum; “eu também erigi um monumento, que será mais durável que o bronze!”

“E ele teria razão para sentir-se orgulhoso de sua obra,se a qualidade fosse medida pela quantidade. Com efeito, essa história do maravilhoso não forma menos que quatro grossos volumes e só contém a história do maravilhoso nos tempos modernos, a partir de 1630 até os nossos dias; apenas dois séculos,o que suporia ao menos um pouco mais do dobro que as mais volumosas enciclopédias, caso encerasse a história do maravilhoso em todos os tempos e em todos os povos! Assim, quando se pensa que esse fragmento de monografia, de tão vasta extensão, não lhe custou senão alguns meses de trabalho, somos levados a crer que uma produção, ao mesmo tempo tão grande e tão apressada, é mais extraordinária que as maravilhas que contém. Mas essa fecundidade deixa de ser um prodígio quando se estuda de perto o processo de composição por ele utilizado, que, na verdade, lhe é tão familiar que não poderíamos esperar fosse empregado outro. Em vez de condensar os fatos, de os expor sumariamente, de negligenciar detalhes inúteis, de destacar principalmente as circunstâncias características, e em seguida discuti-los, aplicou-se apenas em escrever um folhetim mais longo que os que semanalmente escreve na Presse. Armado de uma tesoura pinçou das obras anteriores à sua o que poderia favorecer as idéias preconcebidas que desejava fazer triunfar, afastando o que pudesse contrariar a opinião que a priori havia formado sobre essa importante questão, sobretudo o que obviasse a explicação natural que se propunha dar das manifestações qualificadas como sobrenaturais, pelo que os livres-pensadores são unânimes em chamar de credulidade pública. Porque é ainda uma das pretensões de seu livro – e essa pretensão não é mais bem justificada que as outras – dar uma solução física ou médica nova, achada por ele,solução triunfante, inatacável, doravante ao abrigo das objeções dos homens bastante simples para crer que Deus é mais poderoso que os nossos sábios. Ele o repete em cem diferentes passagens de sua obra, a fim de que ninguém o ignore e com a esperança de que acabarão por crê-lo, não obstante se limite a repetir o que a respeito disseram, antes dele, os físicos e os médicos, os filósofos e os químicos, que têm mais horror ao sobrenatural do que Pascal tinha ao vácuo.

“Daí resulta que essa história do maravilhoso carece, ao mesmo tempo, de autoridade e de proporções. Do ponto de vista dogmático, não ultrapassa as negações dos negadores anteriores; não acrescenta nenhum argumento aos raciocínios já desenvolvidos, e nesta questão, como em todas as outras, não compreendemos a utilidade dos ecos. Há mais: atormentado pelo desejo de parecer fazer melhor que Calmeil, Esquiros, Montègre, Hecquet e tantos outros que o precederam e serão sempre seus mestres, o Sr. Louis Figuier muitas vezes se perde no labirinto confuso das demonstrações que lhes toma de empréstimo,querendo delas apropriar-se, acabando por rivalizar na lógica com o Sr. Babinet. Quanto aos fatos, ele os acumulou em grande quantidade, embora um pouco ao acaso, truncando uns, desprezando outros, limitando-se a reproduzir de preferência os que pudessem oferecer um certo atrativo à leitura, prova de que visou, principalmente, um sucesso fácil, a ter de lutar com os romancistas do dia. Ficamos mesmo a nos perguntar como ele não induziu o editor a incluir sua obra na divertida Biblioteca das Estradas de Ferro, a fim de que alcançasse mais diretamente essa multidão que lê para se distrair e jamais para instruir-se.

“Não contestamos que seu livro seja divertido, se bastar a um livro, para ter esse mérito, que se assemelhe a uma coleção de anedotas, compostas de historietas amontoadas, tendo em vista o pitoresco, sem muita preocupação com a verdade. Isto não o impede de gabar-se a cada instante e sem propósito algum de sua imparcialidade, de sua veracidade: uma pretensão a mais, a acrescentar a todas as que destacamos e na qual se pavoneia com tanto mais afetação quanto não dissimula se ela lhe faz falta. Tal qual é, não poderíamos compará-lo melhor do que a esses restaurantes improvisados, pródigos de comestíveis, que não têm de sedutores senão a aparência, e que servem aos consumidores sem muita preocupação com a etiqueta. Mais superficial que profundo, ali o importante é sacrificado ao fútil, o principal ao acessório, o lado dogmático ao lado episódico; aliás, as lacunas são tão abundantes quanto as coisas inúteis e, para que nada falte, está cheio de contradições, afirmando aqui o que nega adiante, de modo que seríamos tentado a crer que, diferentemente do célebre Pico della Mirandola – capaz de dissertar de omni re simili – o Sr. Louis Figuier aventurou-se a ensinar aos outros o que ele próprio não sabia.

II

“Poderíamos limitar aqui o exame dessa história do maravilhoso, se não tivéssemos de justificar estas severas, mas justas apreciações. Para começar, precisaremos acrescentar que aquele que a escreveu não acredita na possibilidade do sobrenatural? Não o cremos. Em sua qualidade de acadêmico supranumerário – um supranumerário que provavelmente só terminará com a sua vida; – em virtude dos poderes que lhe confere seu título de folhetinista científico, ele não podia sustentar outra tese sem se expor a ser colocado no index pelo exército dos incrédulos, dos quais se julga suscetível de fazer parte. Ele também não crê e, a respeito, sua incredulidade está acima de suspeitas. Ele é do número “desses espíritos sábios que, testemunhas da expansão imprevista do maravilhoso contemporâneo, não podem compreender uma tal alucinação em pleno século XIX, com uma filosofia avançada e em meio a esse magnífico movimento científico que dirige tudo hoje para o positivo e o útil.” – Reconhecemos que deve ser penoso para “esses espíritos sábios” ver que o espírito público assim se recusa a despojar-se de velhos preconceitos e persiste em ter outras crenças, diversas do positivismo filosófico, que, entretanto, são as de todos os animais. Além disso, esse dissabor não data apenas dos nossos dias. O Sr.Louis Figuier o confessa, não sem despeito, quando pergunta, em termos que denotam estupefação, como é possível que o maravilhoso tenha resistido ao século XVIII, “o século de Voltaire e da Enciclopédia, enquanto os olhos se abrem às luzes do bom-senso e da razão.” Que fazer, então? Tão vivaz é essa crença no maravilhoso, consagrada por todas as religiões, que foi a de todos os tempos, de todos os povos, sob todas as latitudes e em todos os continentes, que os livres-pensadores, satisfeitos por tê-la agitado por si e para si mesmos, agiriam com sabedoria em absterse, doravante, de um proselitismo cujo insucesso sabem inevitável.

“Mas o Sr. Figuier não é desses corações pusilânimes que se apavoram por antecipação em face da inutilidade de seus esforços. Cheio de confiança e de bazófia em sua força, vangloriase de realizar o que Voltaire, Diderot, Lamétrie, Dupuis, Volney, Dulaure, Pigault-Lebrun; o que Dulaurens com o seu Compère Mathieu, o que os químicos com os seus alambiques, os físicos com as suas pilhas elétricas, os astrônomos com seus compassos, os panteístas com seus sofismas, o trocista malévolo com seu cepticismo desprezível, foram impotentes para realizar. Ele se propôs demonstrar de novo e triunfalmente desta vez, que “o sobrenatural não existe e jamais existiu” e, em conseqüência, que “os prodígios antigos e contemporâneos podem todos ser atribuídos a uma causa natural.” A tarefa é árdua: até aqui os mais intrépidos sucumbiram. Mas “semelhante conclusão, que necessariamente afastaria todo agente sobrenatural, seria uma vitória da Ciência sobre o espírito de superstição, em favor da razão e da dignidade humanas”, e essa vitória lisonjeou a sua ambição; – vitória fácil, afinal de contas, mais fácil do que pensamos, se o Sr. Figuier não se tiver enganado quando diz, em sua introdução, que “nosso século se inquieta muito pouco com as matérias teológicas e as disputas religiosas.” Então, para que se armar em guerra contra uma crença que não existe? Para que atacar opiniões de teologia, com as quais ninguém se inquieta? Para que se prender a superstições religiosas que não mais nos preocupam? “Vitória sem perigo é triunfo sem glória”, diz o poeta, e não convém tocar muito alto a trombeta guerreira, se não tem a combater senão moinhos de vento. Que quereis? O Sr. Louis Figuier tinha esquecido, ao escrever isto, o que havia escrito acima, quando confessava, com a vergonha no rosto, que o nosso século, surdo às lições da Enciclopédia e aos ensinos da imprensa leiga, se tinha subitamente inflamado pelo maravilhoso e, mais que seus antepassados, acreditava no sobrenatural, aberração incompreensível, da qual ambicionava curá-lo. Mas esta contradição é tão insignificante que talvez não valesse a pena ser assinalada; veremos muitas outras e ainda seremos obrigados a negligenciar muitas!

Assim, o Sr. Figuier nega que se produzam em nossos dias, ou que se tenham produzido em qualquer tempo, manifestações sobrenaturais. No caso de milagres, só a Ciência os pode fazer: o poder de Deus foi até aí. Ainda quando digamos que Deus não tem tal poder, temos uma espécie de escrúpulo de traduzir incompletamente o seu pensamento. Reconhece ele um outro deus, além do deus natureza, tão admirável na sua inteligência cega, e que realiza maravilhas sem o suspeitar, deus querido dos sábios, porque é bastante complacente para lhes deixar crer que usurpam diariamente uma fatia de sua soberania? É uma questão que não nos permitimos aprofundar.

“Mediocremente maravilhosa, essa história do maravilhoso começa por uma introdução que o Sr. Louis Figuier chama um golpe de vista rápido lançado ao sobrenatural na Antigüidade e na Idade Média, da qual nada diremos, porque não teríamos muito a dizer. As mais importantes manifestações aí são desfiguradas sob pretexto de resumo, e compreende-se que seria preciso muito tempo e espaço para restituir a verdadeira fisionomia aos milhares de fatos que nela só figuram de maneira excessivamente abreviada.

“O edifício é digno do peristilo. Essa história do maravilhoso durante os dois últimos séculos abre-se para o relato do caso de Urbain Grandier e das religiosas de Loudun; vem a seguir a varinha mágica, os Tremedores das Cévennes, os Convulsionários Jansenistas, Cagliostro, o magnetismo e as mesas girantes. Quanto à possessão de Louviers nem uma palavra, e também nem uma nota sobre os iluminados, os martinistas, o swedenborgismo, os estigmatizados do Tirol e a notável manifestação das crianças na Suécia, há menos de cinqüenta anos; disse apenas uma palavra sobre os exorcismos do padre Gassner, e menos de uma página insignificante é consagrada à vidente de Prevorst. O Sr. Louis Figuier teria feito melhor se intitulasse seu livro: Episódios da história do maravilhoso nos tempos modernos, ainda que os episódios que escolheu possam dar origem a sérias objeções. Ninguém jamais atribuiu às prestidigitações de Cagliostro uma significação sobrenatural. Era um hábil intrigante, que detinha alguns segredos curiosos, de que sabia servir-se habilmente para seduzir aqueles que queria explorar e, sobretudo, um intrigante que possuía numerosos comparsas. Cagliostro merecia antes um lugar na galeria dos precursores revolucionários do que no pandemônio dos feiticeiros. Igualmente não vemos o que o magnetismo tem a fazer nessa história do maravilhoso, principalmente do ponto de vista em que o Sr. Louis Figuier se colocou. O magnetismo ressalta da Academia de Medicina e da Academia das Ciências, que o desdenharam muito; mas não pode interessar o supranaturalismo senão por ocasião de algumas de suas manifestações, aliás negligenciadas pelo Sr. Louis Figuier, a fim de reservar o espaço que consagrou ao relato da vida de Mesmer, das experiências do Marquês de Puységur e do incidente relativo ao famoso relatório do Sr. Husson. Há dois anos tratamos dessa importante questão e a ela não voltaremos, pois apenas nos repetiríamos. Também deixaremos de lado a das mesas girantes, que examinamos na mesma época. Entretanto, muito haveria a dizer sobre a explicação natural e física que o Sr. Louis Figuier pretende dar dessa dança das mesas e das manifestações que se lhe seguem; mas é preciso saber limitar-se. Deixemo-lo, pois, debater-se com a Revista Espiritualista e com a Revista Espírita, duas revistas publicadas em Paris pelos adeptos da crença na manifestação dos Espíritos, que o acusam de ter escrito o seu requisitório sem haver previamente ouvido as testemunhas e consultado as peças do processo. Uma e outra afirmam que ele jamais assistiu a uma única sessão espiritualista e que, à sua chegada, teve o cuidado de declarar que sua opinião estava formada e nada o faria mudá-la.

“É verdade? Não sabemos. Tudo quanto podemos afirmar é que, depois de ter repelido, com justa razão, a solução do Sr. Babinet, pelos movimentos nascentes e inconscientes, acabou adotando-a por conta própria, tanto é ele inconsciente do que pensa e escreve. Eis a prova: “Nessas reuniões de pessoas fixamente ligadas durante vinte minutos ou meia hora, a formar a corrente, mãos abertas sobre a mesa, sem ter a liberdade de distrair,mesmo por um instante, a atenção da operação em que tomam parte, a maioria não experimenta nenhum efeito particular. Mas é muito difícil que uma delas, uma só que se queira, por um momento não caia no estado hipnótico ou biológico. (O hipnotismo lhe dá resposta a tudo, como veremos mais tarde.) Não é necessário que esse estado dure mais que um segundo para que o fenômeno esperado se realize. O membro da corrente, caído nesse meio-sono nervoso, não mais tendo consciência de seus atos, nem outro pensamento senão a idéia fixa da rotação da mesa, imprime, sem o saber, o movimento ao móvel.” Por que, então, não começaria a troçar de si mesmo, uma vez que gostava de troçar do Sr. Babinet? Teria sido lógico, sobretudo depois de ter anunciado que vinha esclarecer o mistério, desde que só colocava em sua lanterna uma luzinha tão ridícula quanto a que antes havia iluminado o sábio acadêmico. Mas a lógica e o Sr. Louis Figuier divorciaram-se nessa história do maravilhoso. Ah! por mais pretendam os ecos que eles vão falar, seus esforços só conseguem repetir o que ouvem.

“Quanto aos longos capítulos consagrados à varinha mágica e, em particular, a Jacques Aymar, inicialmente nos permitimos observar-lhe que ele se ilude se pensa que o problema foi estudado suficientemente pelo Sr. Chevreul. É uma fantasia que pode deixar, se bem lhe parecer, àquele sábio; mas, fora da Academia das Ciências, não encontrará ninguém que admita que a teoria do pêndulo explorador responda a todas as objeções. A frase atribuída a Galileu “E, contudo, ela gira!” poderia muito bem ser aplicada à varinha mágica. Ela girou e gira, a despeito dos cépticos que negam o movimento, porque se recusam a ver; os milhares de exemplos que poderíamos citar – e que cita o próprio Sr. Louis Figuier – atestam a realidade do fenômeno. Gira por um impulso diabólico ou espírita, como se diria hoje, ou sob a impressão que recebe de alguns eflúvios desconhecidos? Repelimos com muito gosto qualquer influência sobrenatural, embora ela possa ser admitida em certos casos. O que não nos parece provado é a inexistência de fluidos desconhecidos. Entre outros, conta o fluido magnético numerosos partidários, cujas afirmações merecem tanta autoridade quanto as negações de seus adversários. Seja como for,a varinha mágica realizou maravilhas que podem nada ter de sobrenatural, mas que a Ciência é incapaz de explicar, ela que, aliás, muito pouco explica de todas as que vemos produzir-se diariamente à nossa volta, na vida do menor pé de erva. A modéstia é uma virtude que lhe faz falta, e que ele faria bem em adquirir.

“Entre outras maravilhas, as que realizava Jacques Aymar, do qual falamos há pouco, mereciam ser relatadas minuciosamente. Certa vez, entre outras, ele foi chamado a Lyon,no dia seguinte a um grande crime cometido naquela cidade. Armado de sua varinha, explorou a adega que tinha sido o teatro do crime, declarando que os assassinos eram três; depois, começou a seguir suas pegadas, que o conduziram a um jardineiro, cuja casa estava situada à margem do Ródano, o qual afirmou que eles ali haviam entrado e bebido uma garrafa de vinho. O jardineiro protestou, negando; mas, interrogados, seus filhos pequenos confessaram que três indivíduos tinham vindo, na ausência do pai,e que lhes haviam vendido vinho. Então Aymar, retomando o caminho e sempre conduzido pela varinha, descobriu o local onde tinham embarcado no Ródano, entrou numa canoa, desceu em todos os lugares onde eles desceram, foi ao campo de Sablon, entre Vienne e Saint-Vallier, achou que ali demoraram alguns dias, continuou a sua perseguição e, de etapa em etapa, chegou até Beaucaire, em plena feira, percorrendo as suas ruas apinhadas de gente e se detendo diante da porta da prisão, onde entrou e apontou um pequeno corcunda como um dos assassinos. A seguir suas investigações lhe apontaram que os outros dois tinham se dirigido para os lados de Nîmes, mas as autoridades policiais não quiseram levar suas pesquisas mais longe. Conduzido a Lyon, o corcunda confessou o crime e foi esquartejado vivo.

“Eis a proeza de Jacques Aymar e proezas tão surpreendentes quanto esta são numerosas em sua vida. O Sr. Louis Figuier o admite em todas as circunstâncias. Aliás, não podia fazer de outro modo, desde que é atestado por centenas de testemunhas, cuja veracidade não se pode suspeitar “por três relatos e várias cartas concordantes, escritas pelas testemunhas e pelos magistrados, homens igualmente honrados e desinteressados e que ninguém, no público contemporâneo, suspeitou de um acordo verdadeiramente impossível entre eles.” Mas como aqui uma explicação física não podia ser aventada, ele se viu obrigado a renunciar ao seu processo ordinário e se atirou num labirinto de suposições mais engenhosas que verossímeis. Transforma Jacques Aymar num agente de polícia de uma perspicácia que suplanta a do Sr. de Sartines, por mais célebre que seja. Junto a ele, nossos mais inteligentes chefes de polícia de segurança não passariam de escolares. Ele supõe, assim, que esse agitador de varinha, durante as três ou quatro horas passadas em Lyon, antes de começar suas experiências teve tempo de colher informações e descobrir o que as próprias autoridades judiciárias ignoravam. Foi à casa do jardineiro porque era de presumir que os assassinos tivessem embarcado no Ródano, a fim de se afastarem mais depressa;adivinhou que tinham bebido vinho porque tinham sede; abordou a margem do rio em toda parte onde se soube que eles tinham realmente atracado, porque esses lugares habituais de acostagem
lhe eram conhecidos; deteve-se no campo de Sablon porque era evidente que queriam ver o espetáculo da reunião de tropas; dirigiuse a Beaucaire porque era certo que o desejo de dar um bom golpe ali os teria conduzido; parou, finalmente, à porta da prisão porque era provável que um deles tivesse tido o azar de ser preso. “Eis por que vossa filha é muda!” diz Sganarelle; e o Sr. Louis Figuier não diz melhor, nem diferente. Sobretudo crê triunfar, porque Jacques Aymar, tendo sido mais tarde chamado a Paris, pelos rumores de sua fama, aí viu sua perspicácia sofrer reais fracassos, ao lado de alguns triunfos reais também. Mas por esses eclipses, que lhe valeram certo desfavor, menos que qualquer outro, o Sr. Louis Figuier lhe devia censurar; menos que qualquer outro ele poderia se sentir autorizado para o declarar um impostor, ele que sabe melhor que ninguém, ele que reconhece, a propósito do magnetismo, que esses gêneros de experiências são caprichosos, bem-sucedidos num dia e malogrados no outro. A essa inconseqüência ele junta, por fim, uma segunda, menos desculpável. Não contente de acusar Jacques Aymar de charlatanismo, pronuncia a mesma condenação contra quase todos os giradores de varinha, cujos gestos e feitos relata, e na discussão diz: “Entre os numerosos adeptos práticos, só um pequeno número era de má-fé; ainda não o eram sempre; o maior número operava com inteira sinceridade. Realmente a varinha girava em suas mãos, independente de qualquer artifício, e o fenômeno, enquanto fato, era bem real.” Bem, muito bem, não pode ser melhor: aí está a verdade. Mas como e por que girava? Impossível escapar a essa interrogação indiscreta. Ora, o Sr. Louis Figuier responde assim: ‘Esse movimento da varinha era operado em virtude de um ato de seu pensamento e sem que eles tivessem a menor consciência dessa ação secreta de sua vontade.’ Sempre essa inconsciência, mais maravilhosa que o maravilhoso que repelem! Acredite quem quiser.”

Escande
R.E. , abril de 1861, p. 168