Aparição
Sr. Adrien, Médium Vidente
(Segundo artigo)
Desde a publicação de nosso artigo sobre o Sr. Adrien,médium vidente, grande número de fatos nos têm sido comunicados, confirmando nossa opinião de que essa faculdade,assim como as demais faculdades mediúnicas, é mais comum do que se pensa. Nós já a tínhamos observado numa porção de casos particulares e, sobretudo, no estado sonambúlico. O fenômeno das aparições é hoje um fato comprovado e, podemos dizer, freqüente,sem falar dos numerosos exemplos oferecidos pela história profana e as Escrituras Sagradas. Muitas das que nos foram relatadas ocorreram pessoalmente com aqueles que no-las informaram, mas, quase sempre, esses fatos são fortuitos e acidentais; ainda não tínhamos visto alguém em que tal faculdade fosse, de algum modo, o estado normal. No Sr. Adrien ela é permanente; onde quer que esteja, a população oculta que pulula à nossa volta lhe é visível, sem que ele a chame; para nós, ele representa o papel de um vidente em meio a uma população de cegos; vê esses seres, que poderíamos chamar de duplicata do gênero humano, indo e vindo, misturandose em nossas ações e, se podemos assim nos exprimir, ocupados em seus negócios. Dirão os incrédulos que é uma alucinação,palavra sacramental pela qual pretendem explicar o que não compreendem. Bem que gostaríamos que nos definissem o que é uma alucinação e, especialmente, sua causa. Todavia, no Sr. Adrien ela tem um caráter bastante insólito: o da permanência. Até agora,o que se tem convencionado chamar de alucinação é um fato anormal e quase sempre conseqüência de um estado patológico, o que absolutamente aqui não é o caso. Para nós, que estudamos essa faculdade, que a observamos todos os dias em seus mínimos detalhes, chegamos mesmo a constatar-lhe a realidade. Para nós ela não é objeto de nenhuma dúvida e, como veremos, auxiliou-nos notavelmente em nossos estudos espíritas. Ela nos permitiu utilizar o escalpelo da investigação na vida extracorpórea; é um archote na escuridão. O Sr. Home, dotado de extraordinária faculdade como médium de efeitos físicos, produziu efeitos surpreendentes. O Sr.Adrien nos inicia na causa desses efeitos, porque os vê produzir-se, indo muito além daquilo que impressiona os nossos sentidos.

A realidade da visão do Sr. Adrien é provada pelo retrato que faz de pessoas que jamais viu, cuja descrição é reconhecida como exata. Certamente quando ele descreve, com rigorosa minúcia, os mínimos detalhes de um parente ou de um amigo, evocados por seu intermédio, temos certeza de que ele vê,porquanto não pode tomar a coisa como produto da imaginação. Entretanto, há pessoas cuja prevenção as leva a rejeitar até mesmo a evidência. E, o que é mais bizarro, para refutar o que não querem admitir, explicam-no por causas ainda mais difíceis que as que lhes são fornecidas.

Os retratos do Sr. Adrien, todavia, nem sempre são infalíveis; nisso, como em toda ciência, quando se apresenta uma anomalia, é necessário procurar-lhe a causa, considerando-se que a causa de uma exceção freqüentemente confirma a regra geral. Para compreender o fato, não se deve perder de vista o que a esse respeito já dissemos sobre a forma aparente dos Espíritos. Essa forma depende do perispírito, cuja natureza, essencialmente flexível,presta-se a todas as modificações que lhe queira dar o Espírito. Deixando o envoltório material, o Espírito leva consigo o seu invólucro etéreo, que constitui uma outra espécie de corpo. Em seu estado normal, esse corpo tem a forma humana, mas não calcada traço a traço sobre o que deixou, especialmente quando o abandonou há algum tempo. Nos primeiros instantes que se seguem à morte, e enquanto ainda existe um laço entre as duas existências, maior é a semelhança; essa similitude, porém, apaga-se à medida que se opera o desprendimento e que o Espírito se torna mais estranho ao seu último envoltório; pode, entretanto, sempre retomar essa primeira aparência, quer pela fisionomia, quer pelo vestuário, quando julga útil para se fazer reconhecer; em geral,porém, isso só acontece em razão de um grande esforço da vontade. Nada, pois, há de surpreendente que, em certos casos a semelhança peque por alguns detalhes: bastam os traços principais. Igualmente no médium essa investigação não é feita sem um certo esforço, que se torna penoso quando muito repetido. Suas visões ordinárias não lhe custam nenhuma fadiga, desde que não se apega senão às generalidades. O mesmo ocorre quando vemos uma multidão: enxergamos tudo; todos os indivíduos se destacam aos nossos olhos com seus traços distintos, sem que nenhum deles nos impressione bastante a ponto de os podermos descrever. Para precisá-los, é necessário concentrar nossa atenção nos íntimos detalhes que queremos analisar, com a só diferença de que, nas circunstâncias ordinárias, os olhos se voltam sobre uma forma material, invariável, enquanto na vidência eles repousam sobre uma forma essencialmente móvel, que um simples efeito da vontade pode modificar.

Saibamos, pois, tomar as coisas como elas são;consideremo-las em si mesmas e em razão de suas propriedades. Não nos esqueçamos de que, no Espiritismo, absolutamente não operamos sobre a matéria inerte, mas sobre inteligências dotadas de livre-arbítrio, razão por que não podemos submetê-las ao nosso capricho, nem fazê-las agir à nossa vontade, como se movêssemos um pêndulo. Toda vez que quisermos tomar nossas ciências exatas como ponto de partida nas observações espíritas, perderemos o rumo; eis por que a ciência vulgar é incompetente nessa questão: é exatamente como se um músico quisesse julgar a arquitetura do ponto de vista musical. O Espiritismo nos revela uma nova ordem de idéias, de novas forças, de novos elementos; revela-nos fenômenos que não se baseiam em nada do que conhecemos. Saibamos, pois, para os julgar, despojar-nos dos preconceitos e de toda idéia preconcebida; compenetremo-nos sobretudo desta verdade: fora daquilo que conhecemos pode existir outra coisa, a não ser que queiramos cair nesse erro absurdo, fruto do orgulho, de que Deus não tenha mais segredos para nós. De acordo com isso, compreende-se que delicadas influências podem agir na produção dos fenômenos espíritas; mas há outras que merecem uma atenção não menos séria. Despojado do corpo terreno, o Espírito conserva toda a sua vontade e uma liberdade de pensar bem maior que quando vivo; tem susceptibilidades que dificilmente compreendemos; aquilo que muitas vezes nos parece simples e natural o magoa e lhe desagrada;uma pergunta imprópria o choca e o fere; além disso, eles nos mostram a sua independência deixando de fazer o que queremos,ao passo que, por si mesmos, vez por outra fazem aquilo que nem teríamos pensado em lhes pedir. É por essa razão que os pedidos de provas e de curiosidade são essencialmente antipáticos aos Espíritos, que a eles raramente respondem de maneira satisfatória. Sobretudo os Espíritos sérios jamais se prestam a isso e de modo algum querem servir de divertimento. Concebe-se, pois, que a intenção pode influir bastante sobre a sua boa vontade de se apresentar aos olhos de um médium vidente, sob tal ou qual aparência; e, definitivamente, como eles não assumem uma determinada aparência senão quando assim lhes convém, só o fazem quando para isso existe um motivo sério e útil.

Há uma outra razão que, de certo modo, se liga ao que poderíamos chamar de fisiologia espírita. A visão do Espírito pelo médium faz-se por uma espécie de irradiação fluídica que parte do primeiro e se dirige ao segundo; o médium, por assim dizer, absorve os raios e os assimila. Se estiver sozinho, ou cercado apenas de pessoas simpáticas, unidas pela intenção e pelo pensamento, aqueles raios se concentram sobre ele; então a visão é clara, precisa e é em tais circunstâncias que os retratos, quase sempre, são de uma exatidão notável. Se, ao contrário, em torno do médium há influências antipáticas, pensamentos divergentes e hostis, se não há recolhimento, os raios fluídicos se dispersam e são absorvidos pelo meio; daí uma espécie de nevoeiro que se projeta sobre o Espírito, não permitindo que se lhe distingam os matizes. Tal seria uma luz, com ou sem refletor. Uma outra comparação menos material pode ainda nos dar razão desse fenômeno. Todos sabemos que a verve de um orador é excitada pela simpatia e pela atenção do auditório; que, ao contrário, se ele for distraído pelo barulho, pela desatenção e pela má vontade, seus pensamentos já não serão livres: dispersam-se, afetando o seu raciocínio. O Espírito, que é influenciado por um meio absorvente, encontra-se no mesmo caso: em vez de dirigir-se a um ponto único, sua irradiação dissemina-se e perde a sua força.

Às considerações precedentes devemos acrescentar outra, cuja importância será facilmente compreendida por todos os que conhecem a marcha dos fenômenos espíritas. Sabe-se que várias causas podem impedir um Espírito de acorrer ao nosso apelo no instante em que o evocamos: pode estar reencarnado ou ocupado em outra parte. Ora, entre os Espíritos que se apresentam quase sempre simultaneamente, deve o médium distinguir aquele que solicitamos e, caso aí não esteja, pode tomá-lo por um outro Espírito, igualmente simpático à pessoa que evoca. Descreve o Espírito que vê, mas nem sempre pode garantir se se trata dessa ou daquela entidade. Se, entretanto, o Espírito que se apresenta é sério, não se enganará quanto à sua identidade; se o interrogam a respeito, poderá explicar a razão do equívoco e dizer quem ele é.

Um meio pouco propício será também prejudicial, mas por outra razão. Cada indivíduo tem, por acólitos, Espíritos que simpatizam com os seus defeitos e com suas qualidades. Tais Espíritos são bons ou maus, conforme os indivíduos. Quanto maior for o número de pessoas reunidas, maior será a variedade de Espíritos e maiores as possibilidades de encontrar antipatias. Se, pois, numa reunião há pessoas hostis, seja por pensamentos difamantes, seja pela leviandade de caráter, seja ainda por uma incredulidade sistemática, por isso mesmo atrairão Espíritos pouco benevolentes que, com freqüência, entravam as manifestações de toda natureza, tanto escritas quanto visuais. Daí a necessidade de nos colocarmos nas mais favoráveis condições, se quisermos obter manifestações sérias: quem quer o fim quer os meios. As manifestações espíritas não são coisas com as quais possamos brincar impunemente. Sede sérios na mais rigorosa acepção da palavra, se quiserdes coisas sérias; de outro modo, sereis joguetes dos Espíritos levianos, que se divertirão à vossa custa.
R.E. , janeiro de 1859, p. 20