Panteístas
Estatística do Espiritismo3
APRECIAÇÃO PELO JORNAL SOLIDARITÉ4
O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; 3 Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 533. 4 O jornal Solidarité aparece duas vezes por mês. Preço: 10 fr. por ano. Paris, Livraria das Ciências Sociais, rue des Saints-Pères, no 13. enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às idéias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás,a sua condição.” É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que crêem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, crêem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D..., que mora na China há muito tempo e que é
familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia,ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que,conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo,mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”

Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as idéias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas idéias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos;depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que crêem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais: 40.000 para a Europa;24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que,por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.

A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se vêem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros,resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranqüilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê,não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.

Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz, que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio,onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as idéias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.

A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris,a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.

(Paris, 6 de janeiro de 1869 – Grupo Desliens – Médium: Sr. Leymarie)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia, cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois,ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes,comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos
falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas conseqüências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo,que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a no 1 vive de sacrifícios.
Sonnet               
R.E. , fevereiro de 1869, p. 57