Necrológio
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SR. BERBRUGGER, CONSERVADOR DA BIBLIOTECA DE ARGEL

(2o artigo)

No último número da Revista nós nos comprometemos em anunciar aos nossos leitores a partida para um mundo melhor do Sr. A. Berbrugger, o erudito conservador da Biblioteca de Argel, e estávamos felizes por honrar em sua pessoa a memória de um espírita esclarecido e profundamente convicto da verdade de nossos princípios. Chegaram até nós mais amplos detalhes sobre os trabalhos que ilustraram sua vida; estamos convictos de que todos os adeptos haverão de acolher favoravelmente os seguintes extratos do discurso pronunciado junto ao seu túmulo pelo Sr. Cherbonneau, novo presidente da Sociedade Histórica e Arqueológica da Argélia. (Vide o no 76 da Revista Africana, de julho de 1869, página 321 e seguintes.):

“Quando se extingue uma personalidade desta têmpera, considera-se como um dever recolher seus últimos pensamentos: tanto é verdade que a porta do túmulo é a pedra de toque das almas. Como sabeis, em certas palavras há revelações. Ontem, sentado perto do leito de Berbrugger, eu o escutava respeitosamente. De repente, seus olhos, onde brilhavam os últimos lampejos desta bela inteligência, fixaram-se em mim e ele me disse, com uma inflexão que jamais esquecerei: ‘Eis aonde leva o excesso de trabalho!... Não façais como eu!...’ Foram estas as últimas palavras que pronunciou. A morte, contra a qual lutava como homem, enlaçou-o novamente para não mais o deixar...

“...Senhores, o sábio cuja perda será vivamente sentida em toda a Argélia, nasceu em Paris no dia 11 de maio de 1801. Sólidos estudos, feitos no Colégio Carlos Magno, o prepararam para seguir os cursos da Escola de Chartres. Sua estréia na paleografia já lhe atribuía um lugar na Ciência. Em 1832 ele foi encarregado, pelo governo inglês, de recolher as peças originais relativas à ocupação da França no século quinze. Pela metade do ano de 1834, como que advertido por um desses pressentimentos a que nenhum espírito resiste, abandonou a teoria pela prática e veio para a África na comitiva do marechal Clauzet, de quem foi secretário particular. Acompanhou-o em suas excursões e acompanhou o marechal Vallée em Constantina. Dessas expedições militares ele trouxe um grande número de manuscritos árabes, que formaram o núcleo da Biblioteca de Argel. Novos horizontes foram abertos diante da sagacidade de Berbrugger.

“Admirando o país que nossos exércitos acabavam de conquistar, tentou continuamente fazê-lo conhecido, sem dúvida na esperança de que a sua conquista estaria mais bem assegurada. Foi então que, ora sob a tenda, ao lado dos soldados que pensavam suas feridas, ora na calma da cidade, ele compôs esta obra importante, que foi publicada sob o título de Argélia histórica, pitoresca e monumental.

“Não contente de trabalhar, gostava de espalhar em torno de si o fogo sagrado que o animava. Dotado de fácil elocução, exercida mais de uma vez na França, em conferências públicas, possuía em alto grau o talento de semear idéias e fazê-las aceitadas. Tão logo percebeu que os primeiros colonos que se apossaram do solo, com uma autoridade tão patriótica quanto vigorosa, começavam a exumar com a enxada os resquícios da dominação romana, cercou-se de pesquisadores e de estudiosos. Estava fundada a Sociedade Histórica Argelina. Doze volumes cheios de documentos preciosos, de cartas e de desenhos, constituíam o Compêndio arqueológico que, em grande parte, devemos ao presidente desta Sociedade; porque não há uma memória ou uma nota que não tragam a marca impressa dessa crítica esclarecida, cujas decisões todos os autores respeitavam.

“Além disso, entre os escritos de Berbrugger contam-se um Curso de língua espanhola, um Dicionário espanhol-francês, a Relação da expedição; de Mascara, as Épocas militares da grande Kabylie, uma Nota sobre os poços artesianos do Saara, a História do mártir Jerônimo e a Nota sobre o túmulo da cristã, este problema histórico, cujos cálculos pacientes desvendaram o enigma depois de vinte séculos; enfim, inúmeras memórias inseridas nos jornais da Argélia e da França.

“Feliz do nosso presidente se os trabalhos do espírito haviam bastado ao seu desejo de ser útil! Mas ele teria considerado sua tarefa como incompleta, se não tivesse levado o fruto de sua experiência aos conselhos onde eram tratados os interesses do país. Com efeito, aí encontrava mais liberdade para fazer o bem e, por conseguinte, mais deveres a cumprir. É que nele a experiência não resultava do interesse pessoal, nem do espírito de partido, desde que o progresso da colônia era o seu único objetivo. Ah! um devotamento convicto o levou a outros sacrifícios, fazendo-o aceitar, a título de arqueólogo emérito, o comando da milícia de Argel, sem o qual lhe parecia difícil manter entre os seus concidadãos o espírito de confraternidade benevolente de que ele mesmo estava inteiramente penetrado. Quantos tormentos nesta posição! Mas, também, quantos serviços prestados com essa simplicidade que dobrava o seu preço!

“Não será em algumas linhas, e sobretudo em meio à emoção causada por uma perda tão dolorosa, que o seu companheiro de estudos será capaz de retraçar a existência tão útil e tão bem caracterizada de Adrien Berbrugger. Aliás, certos homens tiveram a boa sorte de se fazerem conhecidos em vida, tanto por suas qualidades quanto por seus escritos.

“Em lugar de fortuna, as honras não faltaram ao sábio conservador da biblioteca. Durante a viagem de Sua Majestade o Imperador, no mês de junho de 1865, ele recebeu a cruz da Legião de Honra, no grau de comendador, em recompensa por seus trabalhos literários. Precedentemente, tinha sido nomeado membro correspondente do Instituto de França.

“Adeus, Berbrugger! Na beira deste túmulo onde ireis dormir o sono eterno, ao menos temos um consolo: deixastes à vossa filha querida um nome imaculado e justamente honrado. Os habitantes de Argel guardarão carinhosamente o culto da vossa memória e, quando a Sociedade Histórica Argelina reunir-se para resolver um problema dos anais da África, ela se inspirará em vossa erudição.”

A. Cherbonneau – Presidente

Numa das últimas sessões da Sociedade de Paris, houvemos por bem dar um último testemunho de simpatia à memória do Sr. A. Berbrugger, solicitando a sua evocação. Apressamo-nos em submeter à apreciação de nossos leitores a comunicação que dele recebemos e que nos parece bem caracterizar o trabalhador infatigável e consciencioso tão eloqüentemente descrito pelo Sr. Cherbonneau. A elevação de sua inteligência e sua grande erudição nos levam a esperar que ele se digne, de vez em quando, a participar de nossos trabalhos e enriquecer os nossos arquivos de comunicações e de documentos úteis e interessantes.

(Sociedade de Paris, 30 de julho de 1869)

“Estou contente, senhores, com a vossa simpática acolhida. Embora eu não fizesse parte abertamente da falange espírita, nem por isso estava menos firme e intimamente convencido da verdade de vossos princípios. Lamento ter contribuído para aumentar o número dos tímidos, que o temor da opinião ou a dependência de sua situação obrigam a guardar silêncio sobre as suas secretas aspirações! Mas, devo dizer em minha defesa, toda vez que encontrei ocasião, compulsei e dirigi ao centro os documentos que interessavam à nossa filosofia e, na intimidade, tentei, algumas vezes com êxito, comunicar minhas crenças e partilhá-las. Hoje estou acima da opinião e minha família se ampliou. Se os laços de sangue sempre me ligarão aos meus parentes da Terra, os laços eternos das almas, os princípios de caridade, de tolerância e de união da filosofia espírita me unem a todos os seus membros que concorrem para lhe assegurar o futuro, por suas obras como encarnados e por suas inspirações como Espíritos.

“Em toda parte a Humanidade se despoja de suas antigas vestimentas filosóficas e substitui os velhos hábitos da rotina e dos preconceitos por uma crença racional e baseada na lógica e na experimentação. Sei por experiência: guiado pelos conhecimentos adquiridos, o homem, verdadeira esfinge, decifra os problemas reputados insolúveis. Se, nós outros arqueólogos, nos reedificamos com algumas frases esparsas, algumas palavras truncadas, algumas cartas incompletas, as inscrições meio apagadas do grande livro histórico da Humanidade, o filósofo e o pensador liberam, de seu cortejo de erros e de mentiras, as verdades que presidiram à fundação de todas as crenças humanas, encontrando, em toda parte, o Deus único, adorado e honrado em suas múltiplas obras e nas leis maravilhosas que os sábios modernos se gabaram de descobrir. Mas, nada descobrimos, nada inventamos!... Não somos inventores, somos pesquisadores... perdemos o caminho e o encontramos algumas vezes!...

“Coragem, senhores, sou dos vossos pelo coração e estarei ainda convosco pelo Espírito e por um concurso mais ativo e mais pessoal que pelo passado. Servi-vos de mim; ficarei feliz se me tornar útil e concorrer para os vossos trabalhos na medida de meus conhecimentos.”

A. Berbrugger

SR. GRÉGOIRE GIRARD – SR. DEGAND – SRA. VAUCHEZ

O Espiritismo acaba de perder um de seus mais fervorosos adeptos na pessoa do Sr. Grégoire Girard, morto em Sétif (Argélia), nos primeiros dias de julho último.

O Sr. Girard era um dos fundadores de Sétif e um dos nossos mais antigos assinantes. Foi um dos espíritas que mais contribuíram para o desenvolvimento de nossas crenças nessa localidade. Homem simples e de costumes irrepreensíveis, viu aproximar-se a morte sem temor; para ele era a libertação, o retorno do exilado à verdadeira pátria. Seu desprendimento foi rápido e a perturbação de curta duração; assim, ele pôde manifestar-se alguns dias após a sua inumação. Sua morte e o seu despertar foram os de um espírita de coração, que se esforçou constantemente para pôr em prática os preceitos da Doutrina.

O Espiritismo viu partir um outro de seus representantes na pessoa do Sr. Hippolyte Degand, morto aos cinqüenta e um anos, no dia 25 de julho, em Philippeville (Argélia), após alguns dias de doença. O Sr. Hippolyte Degand também era, desde muito tempo, um adepto sincero e devotado, compreendendo o verdadeiro objetivo da Doutrina; era, na total acepção do termo, um homem de bem, amado e estimado por todos os que o conheciam e um daqueles que o Espiritismo se orgulha por contar em suas fileiras. Embora tenha partido quase de repente para o mundo dos Espíritos, não temos dúvida de que a sua situação é satisfatória. Sem temor pelo desconhecido, cheio de confiança em Deus, sabia aonde ia, e a tranqüilidade de sua consciência lhe permitia esperar ser acolhido com simpatia pelos nossos irmãos do espaço. Estamos convictos de que sua esperança não sofrerá decepção e que, no alto, ele há de ocupar o lugar reservado aos homens de bem.

No momento de pôr no prelo, recebemos uma carta participando a morte da Sra. Vauchez, ou Anne-Octavie Van Metcher, quando solteira, falecida a 16 de agosto, com 27 anos de idade, em seu domicílio, 51, rue de la Montagne, em Bruxelas (Bélgica).

Seu marido, o Sr. Vauchez, um de nossos mais antigos adeptos, foi um dos que se consagraram com mais zelo e dedicação ao desenvolvimento de nossa filosofia. Presidente há vários anos da Sociedade Espírita de Bruxelas, sempre soube, por sua moderação e perseverança, fazer com que os nossos princípios fossem apreciados e respeitados em sua localidade.

O Sr. Vauchez, que sempre se distinguiu pela coragem de opinião, não quis se desmentir ante a prova cruel que o feriu. A nota seguinte, extraída da carta fúnebre da Sra. Vauchez, é uma prova convincente:

Nota – Às 2 horas, no dia 18 de agosto, na câmara mortuária, evocação e preces a Deus e aos Espíritos bons para que a acolham no mundo espiritual.

Julgamos um dever associar-nos aos nossos irmãos de Bruxelas em seu apelo aos Espíritos bons, para que assistam espiritualmente a Sra. Vauchez. – Estamos certos de que sua profunda convicção da verdade dos nossos princípios e de sua vida de sofrimentos e de provas, suportadas com exemplar resignação, a farão merecedora de uma situação satisfatória no mundo do espaço. – Seu Espírito, há muito tempo preparado para uma outra vida, e desprendido antes mesmo da morte de seus laços materiais, há de ter tomado posse de seu novo estado com a satisfação do prisioneiro que, havendo quebrado a grade de sua prisão, respira o delicioso ar da liberdade.
R.E. , setembro de 1869, p. 378