Filosofia
Dissertações Espíritas
A REGENERAÇÃO

(MARCHA DO PROGRESSO)

(Paris, 20 de junho de 1869)

Desde longos séculos as humanidades prosseguem uniformemente sua marcha ascendente através do tempo e do espaço. Cada uma delas percorre, etapa por etapa, a rota do progresso, e se diferem pelos meios infinitamente variados que a Providência dispôs em suas mãos, são chamadas a se fundirem todas, a se identificarem na perfeição, já que todas partem da ignorância e da inconsciência de si mesmas para se aproximarem indefinidamente do mesmo fim: Deus; para alcançarem a felicidade suprema pelo conhecimento e pelo amor.

Há universos e mundos, como povos e indivíduos. As transformações físicas da terra, que sustenta o corpo, podem dividir-se em duas formas, assim como as transformações morais e intelectuais que alargam o espírito e o coração. A terra se modifica pela cultura, pelo arroteamento e pelos esforços perseverantes dos seus possuidores e interessados; mas, a esse aperfeiçoamento incessante devemos juntar os grandes cataclismos periódicos, que são, para o regulador supremo, o que são a enxada e a charrua para o lavrador.

As humanidades se transformam e progridem pelo estudo perseverante e pela permuta de pensamentos. Instruindose e instruindo os outros, as inteligências se enriquecem, mas os cataclismos morais que regeneram o pensamento são necessários para determinar a aceitação de certas verdades.

Assimilam-se sem abalos e progressivamente as conseqüências de verdades aceitas. É preciso um concurso imenso de esforços perseverantes para que se aceitem novos princípios. Marcha-se lentamente e sem fadiga sobre um caminho plano, mas é necessário reunir todas as suas forças para transpor um atalho agreste e destruir os obstáculos que surgem. É então que, para avançar, deve o homem quebrar necessariamente a corrente que o liga ao pelourinho do passado, pelo hábito, pela rotina e pelo preconceito; a não ser assim, o obstáculo fica sempre de pé, e ele girará num círculo sem saída até que tenha compreendido que, para vencer a resistência que obstrui a rota do futuro, não basta quebrar armas envelhecidas e danificadas: é indispensável criar outras.

Destruir um navio que faz água por todos os lados, antes de empreender uma travessia marítima, é medida de prudência, mas será ainda necessário, para realizar a viagem, que se criem novos meios de transporte. Entretanto, eis onde se encontra atualmente certo número de homens de progresso, tanto no mundo moral e filosófico, quanto nos outros mundos do pensamento! Minaram tudo, tudo atacaram! As ruínas se espalham por toda parte, mas eles ainda não compreenderam que sobre tais ruínas é preciso edificar algo de mais sério que um
livre-pensamento e uma independência moral, independentes apenas da moral e da razão. O nada em que se apóiam não é uma palavra muito profunda somente por ser vazia. Assim como Deus já não cria os mundos do nada, o homem não pode criar novas crenças sem bases. Estas bases estão no estudo e na observação dos fatos.

A verdade eterna, como a lei que a consagra, não espera para existir a aceitação dos homens; ela é e governa o Universo, a despeito dos que fecham os olhos para não a ver. A eletricidade existia antes de Galvani e o vapor antes de Papin, como a nova crença e os princípios filosóficos do futuro existiam antes que os publicistas e os filósofos os tivessem consagrado.

Sede pioneiros perseverantes e infatigáveis!... Se vos chamarem de loucos como o fizeram a Salomão de Caus, se vos repelirem como Fulton, marchai sempre, porque o tempo, esse juiz supremo, saberá tirar das trevas os que alimentam o farol que deve, um dia, iluminar a Humanidade inteira.

Na Terra, o passado e o futuro são os dois braços de uma alavanca que tem no presente o seu ponto de apoio. Enquanto a rotina e os preconceitos tiverem curso, o passado estará no apogeu. Quando a luz se faz, a báscula balança, e o passado, que já escurecia, desaparece para dar lugar ao futuro que irradia.

Allan Kardec

A CIÊNCIA E A FILOSOFIA

(Sociedade de Paris, 23 de abril de 1869)

A Ciência é lenta em suas afirmações, mas é segura; por vezes repele a verdade, mas jamais partilha o erro absoluto. Procede com rigor matemático; não admite senão o que é, ao passo que a Filosofia admite tudo o que pode ser; daí a diferença que se nota entre o objetivo de uma e de outra. A Filosofia chega num primeiro impulso; a Ciência transpõe penosa e vagarosamente a estrada árida do conhecimento positivo. Mas, Filosofia e Ciência são irmãs; partem da mesma origem para fazerem a mesma carreira e chegarem ao mesmo fim. Sozinha, a Filosofia pode cometer desvios que a razão e a experimentação científica devem reprimir; isolada, a Ciência pode conduzir ao aniquilamento dos sentimentos, caso não seja regenerada pela excelência dos sentimentos do coração e das aspirações aos progressos morais.

Nos períodos originais da elaboração dos mundos, o sofisma domina o homem juntamente com o erro científico. Em seguida os pensadores e os sábios, tomando caminhos diversos, se separam durante as fases consagradas à luta, para se reunirem mais tarde num triunfo comum.

Certamente ainda estais bem longe de ter dado a última palavra sobre todas as coisas; mas chegareis a passos largos a essa época em que a Humanidade avançará para o infinito numa rota única, larga, segura, tolerante e solidária. O homem não será mais uma unidade combatendo para a sua própria glória e procurando engrandecer-se sobre os cadáveres intelectuais de seus contemporâneos. Será um elemento da grande família, uma modalidade fazendo parte de um todo harmonioso, um instrumento racional num concerto sem defeito! Será a era da felicidade por excelência, a era bendita, a era da paz pela fraternidade e do progresso pela união dos esforços inteligentes.

Honra à Filosofia, que sabe aliar-se à Ciência para obter um tal resultado.

Honra aos homens da Ciência que ousam afirmar suas crenças filosóficas e tirar do seu envoltório, para desdobrar aos olhos atônitos do mundo do pensamento, a bandeira sobre a qual inscreveram estas três palavras: Trabalho, experimentação, certeza.

Privada da Ciência, a Filosofia se lança no infinito, mas, voando com uma asa só, tomba esgotada das alturas a que aspira. A Ciência sem a Filosofia é uma caolha que não vê bem senão de um lado; não percebe o abismo que se cava sob o seu olho ausente. A Ciência e a Filosofia, unidas num comum impulso para o desconhecido, representam a certeza, a verdade em direção a Deus.

Clélie Duplantier

R.E. , julho de 1869, p. 295