Quiromancia
Extrato dos Manuscritos de um Jovem Médium Bretão
ALUCINADOS, INSPIRADOS, FLUÍDICOS E SONÂMBULOS

(Terceiro artigo – Vide a Revista de junho de 1869)

IV

OS SONÂMBULOS

(Continuação e fim)

Existe, pois, no sonambulismo, três graus bem distintos.

Primeiro se apresenta o sonâmbulo natural, que pode permanecer sem qualquer ação sobre os outros, embora a isso predisposto pela natureza dos seus fluidos.

Vem em seguida o sonâmbulo inspirado, que nada tem de si mesmo, mas que, de certo modo, é o recipiente por onde passam os pensamentos dos outros. O magnetismo – entendei bem – não lhe dá a inspiração. Mas se, depois de ter sentido o seu efeito, ele cai num estado de prostração que não lhe permite emiti-lo, o magnetismo pode, entretanto, ao restabelecer a circulação fluídica, restaurar-lhe o equilíbrio e devolvê-lo à posse de si mesmo.

Finalmente, temos o sonambulismo fluídico, do qual o poder curativo se desprende espontaneamente, e que pode, como dissemos, ser levado à inspiração pelo emprego do magnetismo. Então, temos o ser chegado ao completo desenvolvimento de suas faculdades.

A utilidade do magnetismo é, pois, imensa. Para começar, é um poderoso agente curativo, principalmente para as afecções nervosas, que só ele pode curar. Depois, nos casos em que o homem procura destrinçar, através do caos de seus pensamentos, uma forma, uma revelação, que ele não sabe ou é incapaz de descobrir, ele lhe dá um poder de concentração que só os homens de gênios possuem e que lhes permite criar grandes obras, fazer grandes descobertas.

Malbaratamos a nossa inteligência pelos mais diversos assuntos, razão por que tão raramente podemos produzir alguma coisa de durável. O magnetismo nos dá artificialmente e por alguns momentos esta faculdade que nos falta; mas não se deve abusá-la, porque, então, em vez desse poder de concentração que lhe devemos, ele produziria a desordem no jogo dos fluidos e poderia exercer uma ação funesta sobre o organismo.

Se existe realmente atração entre o sonâmbulo e aquele que o consulta, então é quase certo que as prescrições do primeiro serão boas e salutares. Nos casos contrários, só devemos aceitá-las sob muita reserva.

Muitas vezes o sonâmbulo e o consulente sentem-se bem no seu contato recíproco, porque um se beneficia com o excesso de fluidos do outro e os dois são devolvidos à situação normal. Por isso, os fluídicos se ligam de bom grado àqueles que lhes são simpáticos. A ação moral se confunde com a ação física e agem em comum. Em outras vezes, enfim, o magnetizador pode adquirir a doença que pretendia curar.

É necessário então expulsar, por um desprendimento magnético, o fluido que não está em harmonia com o nosso.

Nem sempre o magnetizador consegue curar, porque, ao apoderar-se de um fluido que não lhe pertence e que o faz sofrer, pode transmitir ao paciente uma porção do seu, que está em desacordo com o outro. Mas esses fenômenos raramente se produzem e o magnetismo, sabiamente administrado, quase sempre levará a excelentes resultados.

O fluido é a pilha elétrica que desprende as centelhas destinadas à reconstituição de um estado sadio e regular. Acontece muitas vezes que os indivíduos predispostos a receber a inspiração pelos fluidos que se desprendem deles mesmos, são sonâmbulos em alguns momentos, quando a ação magnética os domina, e inspirados em outros.

Se impomos a nossa vontade a um sonâmbulo, para obter a cura de pessoas que ele só conhece através de objetos que lhes pertenceram, é necessário, para que haja resultado, que os fluidos se conjuguem e atuem uns sobre os outros.

A mais rica harmonia provém de contrastes e de dissonâncias. Dois fluidos semelhantes se neutralizam: para agirem um sobre o outro deve haver apenas um ponto de contato, e que sejam de naturezas opostas.

Quando alguém é inspirado, é quase sempre por muitas pessoas ao mesmo tempo e sobre assuntos diferentes. Cada um traz o seu contingente à elaboração comum. Se algumas revelações são imediatas e completas, outras se produzem mais lentamente e de maneira contínua, isto é, cada dia, cada hora traz o seu átomo de verdade que lentamente se infunde, antes de amadurecer e poder manifestar-se.

O progresso do globo se realiza pela sucessão das gerações, que herdam conhecimentos que o passado lhes deixa e lhes traz, e que, por seu labor no presente, preparam o advento do futuro.

Quando os Espíritos querem agir, pode acontecer que estejam sujeitos a alguma preocupação, que absorve e torna menos dócil a recepção dos pensamentos que eles transmitem. Muitas vezes, então, a inspiração procede do objeto desejado, antes que outros Espíritos se apossem do sujeito para lhe ditarem coisas desconhecidas e pouco edificantes.

É assim que, por uma comovente precaução pelo futuro, os remédios são indicados a pessoas amadas quando elas ainda não precisam deles.

De outras vezes, quando o perigo aperta, surge uma palavra, não para impressionar o vosso ouvido, mas para vos penetrar e de algum modo vos invadir. Essa palavra é o nome do remédio, é o desprendimento necessário do vosso espírito que, empolgado pela preocupação ardente de fazer o bem, não se deixaria invadir facilmente por outra ordem de idéias. São os amigos que acorrem em vosso auxílio, trazendo o alívio para vós ou para aqueles por quem vos interessais.

Encontramos no estado espírita ou sonambúlico tantas fases diferentes quantas no estado ordinário. Como vos dissemos, tudo segue uma lei única, imutável, e Deus não permite que o sobrenatural e o miraculoso jamais venham perturbá-la. Quem pode discernir todos os matizes, todos os pensamentos que, num dia, atravessam o cérebro do homem? Os Espíritos vivem como nós; suas tendências, suas aspirações são as nossas; mas, embora estejam bem longe da perfeição, estão mais adiantados e marcham mais rapidamente, livres que estão de todas as mesquinharias da nossa triste existência.

Há, pois, médiuns que são mais freqüentemente e mais completamente inspirados do que outros. Esperemos, recebamos com reconhecimento as revelações que lhes é permitido dar-nos, mas não violentemos essas indiscrições de além-túmulo. Se os que nos inspiram precisam vir, virão; de outro modo, silenciarão.

Jamais abdiquemos da força de nossa razão. Há charlatães que enganam; há entusiastas que se enganam.

O charlatanismo floresce nas épocas e nos países despóticos, quando dizer uma verdade nova é uma temeridade e equivale a um crime. A terra livre da América era mais favorável que outra qualquer aos experimentadores, sempre impulsionados na busca do desconhecido. Por isso os americanos foram os primeiros a compreender as relações deste com o outro mundo e constatar a existência desta cadeia mais fluídica do que misteriosa, que liga os que partem aos que ficam.

O Espiritismo é a lei que rege as relações das almas entre si.

Nos dias malditos da Idade Média, e mesmo em tempos mais próximos de nós, quando a Igreja distribuía parcimoniosamente aos homens a luz de que se atribuía o monopólio, punindo com morte horrível aquele que considerava em erro, era necessário ocultar-se para estudar os segredos da Natureza. Era o tempo dos feiticeiros, dos alquimistas, pobres alucinados muito pouco perigosos, ou homens hábeis que exploravam a credulidade popular; mas, às vezes também eram seres inspirados, fluídicos ou sonâmbulos, grandes luminares da Humanidade, vulgarizadores dos conhecimentos revelados pelos Espíritos evoluídos, aliviando seus irmãos o melhor que podiam, trazendo o seu grão de areia ao lento e laborioso edifício do progresso, e pagando às vezes com a vida a obra providencial que realizavam.

As pitonisas eram sonâmbulas; as cartomantes freqüentemente são extáticas mais ou menos lúcidas que, para chocar as imaginações vulgares, se servem de meios grosseiros que lhes facilitam a tarefa. Mas os homens gostam de ser enganados, mesmo quando buscam a verdade.

Mesmer recorria a uma tina, outros fazem ver o futuro numa garrafa d’água, outros ainda num espelho mágico. A Ciência avança, reconhece-se a inutilidade das encenações, a vacuidade dos processos materiais. Descobriu-se a existência do fluido, a ação que o homem pode exercer sobre o seu semelhante. Chegou-se à adoção de processo mais simples. Os passes magnéticos são suficientes. Um magnetizador poderoso pode mesmo agir somente pela força da sua vontade, de braços cruzados, para a liberação de seu fluido, que irá alcançar esta ou aquela pessoa em relação fluídica com ele.

Porque o magnetismo não age sobre todos indistintamente, nem da mesma maneira sobre todos. Numa reunião numerosa, acontecerá que, ao tentar fazer uma pessoa adormecer, será outra, no ângulo oposto do apartamento, que se apoderará do fluido.

Outros são inspirados ou caem em sonambulismo lúcido, espontaneamente, ou quando querem, ou mesmo quando queriam resistir à influência que os subjugam.

No seu horror instintivo ao materialismo e ao nada, o homem tem sede do maravilhoso, do sobrenatural, de aparições e de evocações. Daí o sucesso da magia no mundo.

Da Índia, seu berço, a magia passou antigamente ao Egito, onde a vemos sustentar lutas contra Moisés, que a inspiração animava de um sopro tão poderoso, mas ainda com algumas intermitências. Israel não atravessou inutilmente a terra dos faraós. Era nesse foco vivificante do Egito que o gênio dos sábios da Grécia ia freqüentemente se reanimar.

As Cruzadas foram buscar entre os árabes o segredo das ciências ocultas, cujo uso propagaram na Itália, na França, na Espanha. Os mouros e os judeus foram os primeiros médicos; consultavam-nos em segredo e queimavam-nos em público. E os doutores de hoje pensam defender a Ciência, zombando nos seus cenáculos e perseguindo nos tribunais esses últimos filhos perdidos dos seus ancestrais comuns.

Mas, muito dentre eles não são, de certo modo, um tanto charlatães? Não há por que repudiar o magnetismo de maneira tão absoluta. Outros o praticam clandestinamente, mas não ousam confessá-lo, temerosos de afugentar a clientela amedrontada. Em todo o caso, bem poucos dos que o negam chegaram a estudá-lo de boa-fé, sem outro móvel que o desejo de esclarecer-se.

Serão os últimos a admiti-lo. Ser-lhes-á difícil ajudarem com as próprias mãos a derrubada dos fundamentos científicos que tanto lhes custaram edificar.

Que terrível revolução quando, ao lado dos que, incontestavelmente, possuem enorme soma de conhecimentos científicos, e que ignoram apenas um – o de curar os seus semelhantes – seres simples, os primeiros a chegar, puderam ler, como num livro aberto, nos corpos humanos, sem terem estudado Anatomia, penetrando-os com os olhos como se fossem de vidro e, em vez desses remédios gerais que agem sempre de maneiras diversas e imprevistas, indicarem o agente preciso que se deve empregar, segunda a natureza de cada um? Quantas posições comprometidas, no dia em que o Espiritismo e o magnetismo combinados tiverem substituído, para a maior felicidade de todos, a Medicina tão falível e tão ruinosa das faculdades, por essa medicina familiar, que estará à disposição de quase todos os que a desejarem praticar.

A Quiromancia é uma ciência de observação, em socorro da qual vêm a Frenologia e a Fisiognomonia, auxiliadas pela intuição, disposição fluídica particular e especial. Todo mundo pode observar as proeminências que existem na cabeça, a infinita variedade dos traços, as múltiplas linhas traçadas nas mãos, mas nem todos podem deduzir, com exatidão ou mais ou menos, os seus significados e os seus efeitos no organismo. Mas o fluido que se desprende do consulente, atingindo o que o examina, permite a este último descobrir de maneira mais ou menos acertada os fatos do passado do outro e até mesmo predizer o que, segundo as probabilidades, deve lhe acontecer no futuro. A simples pressão das mãos ou o toque da cabeça põe o fluídico em vibração, em conseqüência da tensão e da concentração do espírito a que se habituou.

Assim se explicam os casos de revelação, de predição, que, ao se verificarem, causam admiração, encanto e pavor ao mesmo tempo.

Mas, não há nada de maravilhoso, nem de sobrenatural em tudo isto. As nervuras de nossas mãos podem comparar-se às das folhas das plantas. O conjunto, o aspecto, a forma geral, tudo se assemelha e, contudo, nada se parece. Estudai as folhas: talvez descubrais, em sua configuração, se a árvore a que pertencem está mais ou menos conformada para viver muito tempo.

Nossas mãos são como as folhas ligadas à extremidade dos ramos. São elas as nossas extremidades; movem-se, agem, põem-nos em relação com os outros, e é por elas que podemos conhecer o estado geral da saúde. Da mesma maneira que através dos pequenos ramos chega uma seiva mais delicada, assim também pelas mãos do homem, que são uma maravilha entre todas as maravilhas do corpo.

É a ponta do ramo que, flexível e como animada e dirigida por uma inteligência particular, se enrola em torno dos galhos que sustentam sua fragilidade. Assim, as trepadeiras, as clematites, as glicínias e a vinha... É pois na extremidade, tanto dos
vegetais quanto do homem, que é dado tocar, que se apresenta a parte mais delicada, mais perfeita.

O tronco tem a força; a seiva e o sangue dão o impulso; as hastes e as mãos são os instrumentos dóceis.

Se a árvore tem folhas delgadas, salpicadas de branco ou de amarelo, caindo aos primeiros ventos do outono, é que está clorótica e podemos prognosticar com segurança que não viverá muito tempo. O homem cujas mãos são pequenas, frias, brancas, exangues, não figurará entre os atletas, nem entre os centenários.

Como uma terra pobre e privada de sucos nutritivos poderia prodigalizar uma seiva abundante, capaz de lançar-se até a extremidade dos ramos para fazê-la crescer e alongar-se incessantemente?

A planta, como o animal, como o homem, toma proporcionalmente às suas energias vitais a sua parte fluídica, que circula por toda parte. Somente a planta e o animal, não tendo de despender de sua força e de sua vontade senão numa ordem de fatos mais restritos, são dotados de um fluido menos poderoso. Fazem sua parte de progresso, mas eles não o fazem sem que a isso sejam provocados.

Ao contrário, o homem tem responsabilidade de direção. Deus o aceita como colaborador na obra sublime da Criação. Deus cria os tipos e reserva ao seu auxiliar o cuidado de descobrir as variedades infinitas, de multiplicá-las, de aperfeiçoá-las sem limites. Ele necessita, pois, de um fluido mais abundante, mais rico, para satisfazer à sua tarefa mais nobre e cumprir a missão providencial que lhe foi reservada.

Essas diferenças entre as linhas das mãos, as nervuras das folhas, são também encontradas nas patas dos animais, e por toda parte, enfim. Apenas no homem e nas criaturas mais avançadas, esses matizes são mais numerosos e mais acentuados. Mas, descendo mesmo até os mais ínfimos, uma observação atenta permitirá descobrir, nos diferentes ramos que terminam cada uma delas, sintomas, prognósticos de caráter e de saúde, que a ativa direção do homem pode modificar para melhor ou pior. É seu direito, é seu dever trabalhar para melhorar todas as coisas inferiores. A Natureza põe à sua disposição os meios curativos, e ele será insensato e mesmo culpável se não os empregar para prolongar e enobrecer a sua e a vida das demais criaturas, ou pelo menos para dar-lhe o equilíbrio necessário, durante o curso que ela deve seguir.

Há ação e reação dos homens uns sobre os outros, bem como sobre os animais, os vegetais, os minerais e tudo quanto nos rodeia. Por isso, o homem, o animal e a planta não vivem indiferentes junto aos demais seres.

Uma criação jamais ocorre senão quando todas as condições indispensáveis venham favorecê-la. Mas, descuidando desses detalhes essenciais, pretendemos aclimatar os animais sem os vegetais convenientes, sem preparar para estes o terreno que exigem, sem estudar as suas atrações e as suas repulsões, e sem observar se lhes damos vizinhos com os quais estarão em perpétua luta.

Nossos camponeses colocam às vezes um bode em meio aos bois e bezerros. Dizem que é para purificar o ar. Para nós, isto só o empestaria. Mas, uma vez que os animais do estábulo deixam o bode andar livremente ao seu redor, é que um secreto instinto os adverte, talvez, de que o seu cheiro acre é composto de gases que seriam prejudiciais a eles e cujas propriedades o bode modifica.

O meio em que vive e se desenvolve cada criatura influi enormemente sobre o seu caráter, sobre a sua saúde e sobre a parcela de inteligência que lhe é transferida para cumprir o seu destino.

A inteligência do vegetal, como a do animal, manifesta-se sobretudo na obra da reprodução. Muitas vezes o homem a violenta. Estudemos as condições nas quais cada ser deve cumprir o seu destino mais ou menos importante, e as criações esboçadas que os grandes cataclismos do passado pouparam darão lugar a criações superiores, e muitos dos males que elas engendram desaparecerão com elas.

Tudo se ressente, portanto, pelo toque, por vezes mesmo pela simples aproximação das comoções elétricas e fluídicas, que exercem uma influência salutar ou funesta sobre a atitude geral do indivíduo.

O magnetismo não foi inventado por ninguém; existe desde toda a eternidade! Não se conhecia o seu emprego, como no caso do vapor e da eletricidade, a princípio negados, e que no entanto revolucionaram o mundo após alguns anos de existência. Dar-se-á o mesmo com esse fluido que, mais sutil do que todos os outros, vai atingir livremente, e em aparência um pouco ao acaso, os sexos contrários, as idades extremas, as castas até hoje hostis, para os confundir todos no seio de uma imensa solidariedade.

Com efeito, o fluido é atração, lei única do Universo. É a fonte dos movimentos moral, material e intelectual, a fonte do progresso. Manda a caridade que nos aliviemos mutuamente, já que dispomos do poder e da vontade. Esse fluido comum, que nos liga a todos, a fim de estabelecer entre nós a fraternidade universal, não só nos faculta curar-nos uns aos outros, mas, também, associandonos aos nossos amigos desaparecidos que, mau grado nosso nos legaram a herança de seus trabalhos, dá-nos os meios de inventar grandes coisas, que concorrerão poderosamente para o progresso de todos e para o bem-estar universal.

Já não nos escondemos por trás das muralhas do nosso egoísmo pessoal para nos sentirmos felizes no nosso isolamento. Queremos que todos estejam satisfeitos ao nosso redor e o sofrimento dos outros provocam nuvens sombrias no azul de nosso belo firmamento.

O entusiasmo foge à solidão para só fazer brilhar a sua potência irresistível entre as multidões eletrizadas. É que o fluido que se desprende de cada um de nós, adicionado, confundido, multiplicado, atritando-se e se chocando em caso de necessidade, por suas próprias discrepâncias faz surgir a harmonia.

O trabalho, o prazer mesmo, tudo aborrece quando estamos sós. Mas, basta chegar um amigo e outros em seguida, e eis que o entusiasmo, que arrasta, pouco a pouco se desenvolve. Que surjam então os grupos rivais, e o júbilo produzirá maravilhas.

A comunicação fluídica, essa quintessência de nosso ser, produz harmonia ao se desprender de nós para envolver aquele que sente a sua falta. Os fortes arrastam os fracos, elevam-nos por um momento até eles e a igualdade reina; ela governa os homens fascinados pelo seu domínio.

A bem dizer, todo o mundo é fluídico, pois que cada um sente impressões, experimenta atrações. Apenas as manifestações são mais ou menos intensas e sua influência se mostra com mais ou menos força. Alguns usam os fluidos para si
mesmos, para a sua própria consumação, poderíamos dizer, e somente atuam debilmente sobre os seus semelhantes. Outros, pelo contrário, irradiam a distância e exercem ao seu redor uma pressão enérgica, para o bem ou para o mal.

Há ainda os que, não tendo nenhum poder sobre os outros homens, possuem uma poderosa faculdade de domínio sobre os animais e sobre os vegetais, que se modificam e se aperfeiçoam mais facilmente sob a sua ação inteligente.

Sendo o magnetismo o fluido circulante que cada criatura assimila à sua maneira e em graus diferentes, pode-se ver nele esse imenso encadeamento e essa imensa atração que une e desune, atrai e repele todos os seres criados, fazendo de cada um deles uma pequena unidade que vai, obedecendo à mesma lei, confundir-se na majestosa unidade do Universo.

O magnetismo que, aliás, não passa do processo de que nos servimos para a concentração e a liberação do fluido, é essa associação magnífica de todas as forças criadas. O fluido é o circulante que põe os seres em vibração uns com os outros.

Em certos casos de delírio momentâneo, o toque de uma pessoa simpática, seu beijo, sua palavra bastam para acalmar o doente. Já se viu o doente ser aliviado apenas se entrando em seu quarto, como é possível ver-se a excitação produzir-se quando outra pessoa se aproxima.

É o resultado das atrações ou das repulsões, explicadas pelo jogo dos fluidos entre si.

Diz-se freqüentemente de pessoas que se casam, mas que não se amam: – Eles se amarão mais tarde!

Ao contrário, isto é bem pouco provável, porque a atração é livre e não se deixa violentar. Sem dúvida há naturezas pouco fluídicas, para as quais a estima pode suprir o amor; mas as grandes e generosas naturezas não poderiam contentar-se com esses sentimentos tíbios. A indiferença toma então o lugar do amor que falta, e é raro que, apesar de todos os mais belos raciocínios que façam, um ou outro desses esposos em desarmonia não se deixe encantar por outra pessoa. Talvez tenha a força de resistir a esse arrastamento, mas será incuravelmente infeliz.

Fechemos pois os ouvidos a esses falsos ensinamentos, e que as famílias não façam jamais do casamento um negócio, uma questão de tráfico ilegal. Quis Deus que o amor presidisse à perpetuidade da Criação; respeitemos os seus desígnios e não violentemos os fluidos. O homem e a mulher obedecem ao charme, é a lei natural, e quando se tenta resisti-la, paga-se a desobediência com a infelicidade de toda a existência.

Eug. Bonnemère

R.E. , julho de 1869, p. 277